A decadência de um diretor, um fracasso em família.
A temática de Depois da Terra (After Earth, 2013), por uma curiosidade, se acentua no momento em que os créditos finais descem: na tela, os nomes dos protagonistas Jaden e Will Smith, este também creditado como produtor, ao lado da esposa Jada Pinkett Smith, e autor da história, baseada na... família. Nesse contexto, o cineasta M. Night Shyamalan surge como convidado indesejado, uma vez que sua contribuição em direção e roteiro se resume a clichês típicos dos filmes de gênero mais melodramáticos do Cinema. Midas às avessas, o realizador indiano desperdiça uma premissa que, se não espetacular ou revolucionária, se revela muito adequada para uma aventura cinematográfica bem-sucedida - como não acontece.
Conflitos armados e toneladas de lixo tóxico despejadas no ar tornaram a Terra inabitável. A humanidade encontrou abrigo no espaço, num planeta batizado New Prime. Esse novo começo é ameaçado por outras criaturas que habitam o local, as ursas, cegas, porém hábeis caçadoras de humanos por se guiarem pelo odor dos feromônios liberados por sua caça. Nesse contexto, o general Cypher Raige (Will Smith) é o único invisível às ursas; um homem sem medo, considerado um fantasma. Raige é mais que um general, uma lenda em New Prime.
Essa espécie de mitologia é apresentada de maneira ágil e hábil, porém malbaratada e transformada em mero pano de fundo. Isso porque, como dito no primeiro parágrafo, a suposta aventura transporta uma declaração de amor de Will Smith à família em seu cerne. Portanto, entra em cena Kitai Raige (Jaden Smith), um cadete reprovado na escola de formação de rangers que tem o conturbado relacionamento com o pai maximizado por um evento traumático. É então que Will Smith derruba a nave da qual seu personagem é comandante, o coloca à beira da morte e alça o filho Jaden à condição de herói de ação no perigoso (ou “perigoso”) planeta Terra.
Essa trama é ensejo para M. Night Shyamalan e Gary Whitta (O Livro de Eli [The Book of Eli, 2010]) desenvolverem uma aventura morosa, que destoa do ritmo frenético da redundante cena inicial. A dupla ainda sugere uma lição filosófica semelhante à proposta no clássico Moby Dick, sobre o Homem, ambicioso e predador, que perde o que tem de mais valioso, seu lar. A ideia não incomoda, mas fica no terreno da pretensão, uma vez que não proporciona a profundidade imaginada. O foco é mesmo a temática imposta por Smith, e, assim, Kitai, experimenta o signo da maternidade em sua forma mais primitiva, com animais selvagens defendendo e guiando suas crias. Embora a exposição do protagonista a esse universo proporcione um exemplo bonito de deus ex machina, é tudo muito óbvio, muito brega, e condizente com a trilha sonora pouco inspirada do homem de confiança de Shyamalan, James Newton Howard.
Infelizmente, a enxurrada de clichês comandada por M. Night Shyamalan não se restringe ao melodrama exacerbado. O cineasta virtuoso conhecido em O Sexto Sentido (The Sixth Sense, 1999) desde o roteiro previa atmosfera e artifícios de manipulação de um público que, nesse novo longa-metragem, tem todos os motivos para permanecer impassível. Se as preocupações ecológicas de uma trama pós-apocalíptica compõem, por aparente coincidência, um enredo semelhante ao de Oblivion (idem, 2013), duas das três únicas cenas de ação do filme (escassez que, certamente, irá desagradar à maioria dos espectadores) são cópias baratas de passagens conhecidas de Avatar (idem, 2009) e Star Trek (idem, 2009), tanto pela intensidade das cenas como pela (inferior) qualidade do CGI empregado. E é por se tratar do trabalho mais sem personalidade da carreira do diretor, outrora comparado ao mestre do suspense Alfred Hitchcock (um exagero que o tempo tratou de evidenciar), que Depois da Terra se configura um marco da decadência de M. Night Shyamalan - hoje incapaz de emplacar um sucesso comercial, seja em projetos autorais, seja em superproduções de terceiros.
Com tudo isso, provavelmente a maior falha de Shyamalan é a direção de atores. Ainda que fosse desejo de Will Smith permanecer canastrão durante toda projeção, caberia ao cineasta indiano cumprir sua função e dirigi-lo numa composição menos óbvia ou, desde o roteiro, pensar um personagem mais interessante, complexo. E se a omissão ou incompetência do diretor-roteirista é prejudicial à atuação do experiente Will, torna desastrosa a presença de Jaden, que, ao manter uma insistente expressão de medo durante 90 minutos, para, no finalzinho, assumir o mesmo rosto impávido (sinônimo de coragem) do pai, compõe um dos protagonistas de blockbusters mais irritantes de todos os tempos. Ao menos, nessa conta, nem o espectador incomodado com o mal aproveitamento de um jovem ator – que demonstrou certo valor e versatilidade em À Procura da Felicidade (The Pursuit of Happiness, 2006) e Karatê Kid (The Karate Kid, 2010) – tem mais motivos para sair do cinema frustrado do que a própria família Smith, que fracassa na tentativa evidente de transformar seu primogênito em astro de filmes de ação.
Que, da próxima vez, Will e Jada escolham um realizador mais confiável para dirigir sua cria.
Além disso, reparei num detalhe curioso. Depois do sucesso de seus primeiros filmes de suspense, todo lançamento tinha seu nome com MAIOR DESTAQUE que o próprio filme. Mas desta vez, nada de referências aos seus filmes consagrados, nada de adjetivos imponentes ou algo que comprove seu recente aumento de arrogância e ego. Enfim, que ele continue "se retirando" da evidência nos cartazes, posteres e produtos promocionais, tirando seu nome de foco e deixando sua obra respirar sem precisar se apoiar em seu nome.
Shyamalan vem se afundando nas próprias pretensões. Deveria recomeçar com filmes de menor orçamento sem muito alarde. Esse Depois da Terra é fraco mesmo. Nem eu, que defendi A Vila e Fim dos Tempos, consegui defender esse aqui. E sou fã do Will também, mas foi uma bola fora de ambos.....
Will Smith: 'After Earth' Was the "Most Painful Failure in My Career"
http://www.hollywoodreporter.com/news/will-smith-earth-was-painful-772891
Moroso e cansativo.