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Críticas

Cineplayers

Uma montanha no meio do nada.

2,0
Eu poderia culpar a boa e velha exportação por fazer Hany Abu-Assad ter cometido esse seu novo filme, mas a verdade é que o diretor já não é o mesmo em seu próprio país. Em janeiro desse ano foi lançado por aqui seu longa anterior, O Ídolo, e o desastre já estava presente lá, amplificado até. Fica difícil reconhecer o cineasta que apareceu 12 anos atrás, com o impecável Paradise Now, primeiro candidato da Palestina ao Oscar de filme estrangeiro, que desde então concorreu de novo, por Omar, do mesmo Abu-Assad. Cadê esse cineasta? A explosão de seu filme mais famoso não se repetiu mais, e fica a impressão de que tudo não passou de um tiro de sorte, um lampejo que vai se diluindo a cada novo trabalho lançado. Se seu longa anterior era de fato uma bomba, esse novo escapa por pouco da alcunha, graças à dupla que estampa o cartaz e estrela o filme, que trabalha sozinha contra as adversidades. E nem estou falando da narrativa.

A trama não tem um traço sequer de ousadia ou originalidade e se baseia no livro de Charles Smith. Dois estranhos com pressa de chegar em outro ponto da América se conhecem num aeroporto fechado pela ameaça de mau tempo, acabam se acertando para alugar um bimotor e realizar a viagem. Ela, uma fotógrafa, precisa casar; ele, um neurocirurgião, precisa operar. Mas os planos de ambos serão adiados depois da queda do pequeno avião, causado pelo derrame que o piloto sofre. Como o título deixa claro, eles caem numa região montanhosa no fim de dezembro, ou seja, a neve assola a paisagem. E vai ser desafiadora para ambos, numa situação que vai criar uma parceria indissolúvel. E arriscada para as vidas minimamente regradas de ambos. Ou seja, o filme de sempre, que qualquer pau mandado teria dirigido igual, e não tem qualquer tipo de avanço no quesito cinema. Um cinema padrão, básico, com um plano sequência no início, nada muito elaborado e só.

Narrativamente me espanta um dos roteiristas do filme ser o Chris Weitz, que deve ser o responsável pelas tiradas irônicas que eles lançam uma vez a cada 10 minutos de projeção. Para além dessas parcas frases, predomina o óbvio inclusive em matéria de construção de personagens. Ben Bass é um homem obviamente partido, de olhar tristonho e evasivo, fugidio em suas respostas e bastante fechado. Já Alex Martin é uma mulher que fala muito mas diz muito pouco, um casamento futuro que não se justifica nunca e uma profissão que não representa nada dramaticamente. Em seu silêncio Ben guarda muito mais interesse, mas tirando por Alex, duvido que se revelando mais ele se transformaria num bom personagem, provavelmente o contrário ficaria escancarado, como no caso dela. Com situações pobres e repetitivas e personagens que não trazem qualquer interesse ao longo de 110 minutos, como avançar até o fim?

E com personagens tão sem vida num projeto tão burocrático, ficamos a mercê dos talentos múltiplos de Idris Elba e Kate Winslet caminhando sem diretrizes. Sem uma boa bússola para os direcionar e com um projeto aparentemente sem personalidade, o talento e a experiência de ambos são cruciais para manter o mínimo de contato empático com o público. Eles estarão em cena sozinhos, com um labrador a tiracolo, rodeados pelo imenso branco da neve por 85% da produção, então o filme acerta em centrar em seus rostos, suas reações, seus olhares e suas inflexões vocais, porque tudo o que o filme tem de mais genuíno virá do extracampo fílmico, já que ele é solenemente descartado em detrimento a realização de um passatempo. Só que Abu-Assad tinha em suas mãos Elba e Winslet, que não passam o tempo. Dois grandes atores dão conta de um projeto meia boca, e embora não consigam elevar o material onde se meteram, o mínimo interesse com que levamos a produção vem deles, que promovem a mais desconfortável cena de sexo do ano. E sim, isso para a situação do filme e de seus personagens, é extremamente positivo.

O pior é perceber que o produto final até poderia ser ligeiramente melhor, mais bem acabado, com alguma assinatura estética ao menos, diálogos melhores com certeza (e alguns que não insistissem tanto na situação 'ele é o cérebro, ela é o coração', só pra logicamente isso se inverter no final), mas olhando o projeto à distância, fica a dúvida se tinha potencial ali para ter a envergadura do que um dia Abu-Assad mostrou, ou principalmente a altura desses dois grandes atores. E aí ficamos nesse dilema... um filme que poderia até ter tentado trilhar um caminho de risco e experimentação, ou mesmo uma pegada mais catártica e urgente, mas que escolheu não ter qualquer uma dessas coisas todas citadas.

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