Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

O roteiro fraco prejudica o filme; a única coisa que se salva, de forma bem superficial, é a mensagem de urgência da África.

5,0

Diamante de Sangue figura em um gênero de filme que tenta se equilibrar entre uma proposta bem intencionada e a necessidade essencial dos estúdios de conseguir público. O seu mal, porém, é ficar apenas tentativa, ou seja permanecer sempre tateando na boa intenção, pois os artifícios pré-concebidos para torná-lo mais a “cara” do público o deixam artificial e destoante de seu fundo político quando analisado em sua totalidade.

A moda da vez em Hollywood é a África, cenário infindável de deprimentes conflitos onde o que não falta é material bruto para a sétima arte: multidões de refugiados, famílias desmembradas a força, exércitos de crianças, superpotências vilãs, fome, AIDS, enfim, ingredientes preciosos para histórias fortes. Vez ou outra (ultimamente em maior fluxo diga-se) surgem projetos que pincelam bem alguns desses temas, constroem filmes relevantes como alerta e que ainda funcionam como bom cinema. Hotel Ruanda e O Jardineiro Fiel são dois exemplos recentíssimos, um abordando a guerrilha entre as etnias tutsi e hutu em Ruanda, e o outro, o uso de cobaias humanas pela grande indústria farmacêutica. A força e a eficiência desses dois filmes vêm de uma história romanceada sim, mas bem encaixada em um panorama sócio-político; e de uma direção que sabe colocar na tela o melodrama factual como parte, mas também como retrato do todo. É exatamente essa simbiose, entre drama e denúncia, com cada um nutrindo-se do outro e também alavancando-o, que falta em Diamante de Sangue.

O cenário aqui é Serra Leoa, anos 90, plena guerra civil. O filme não preocupa-se muito (na verdade, não preocupa-se em nada) em mostrar os porquês da existência dessa guerra; seu foco é apenas a extração e a comercialização de diamantes na zona de conflito que, clandestinamente, nutrem a sanguinária FRU (Frente Revolucionária Unida). Aí já reside um desacerto do filme: a responsabilidade do Primeiro Mundo para com a situação inominável da África não vem de hoje, a partir da compra de reluzentes gemas. Esse é um quadro bem mais amplo e que merecia uma visitada rápida ao menos, mas enfim, essa é uma questão temática – o roteirista preferiu ater-se apenas no panorama dos diamantes sem mais delongas. Paciência. Não fossem os seus outros problemas, talvez essa ausência teria me passado desapercebida.

De volta à história, o mote central é a relação entre Danny Archer (DiCaprio), uma figura de moral duvidosa que vive da troca de armas por diamantes, e Solomon Vandy (Hounsou), um pescador que tem a sua vila destruída, sua família raptada e que ainda é levado como escravo para um garimpo da milícia, onde ele encontra e esconde um raro diamante rosado. Em troca de sua família, Solomon promete levar Archer até essa pedra. No caminho deles surge a jornalista americana Maddy Bowen (Connelly) que também cria uma espécie de pacto com Archer: ela lhe auxilia em algumas situações e em troca, recebe dados e provas para a sua sonhada matéria denunciativa sobre os tais “diamantes de sangue”. No caminho dos três não faltarão antagonistas, muito tiro e bombardeio, perseguição e afins. Das situações paralelas, a mais relevante é a que envolve Dia (Kagiso Kuypers), filho de Solomon, que é iniciado na milícia rebelde.

O melhor do filme são mesmo as personagens e seus respectivos intérpretes. Qualquer comoção ou envolvimento que o filme provoque vêm do trabalho deles. DiCaprio, em mais uma demonstração de sua maturidade, constrói um sujeito de motivações questionáveis, endurecido pela vida na região, um fruto exemplar da sobrevivência em um ambiente perigoso e volátil, distante demais de qualquer ética e próximo demais da barbárie. Hounsou, em um papel que lembra muito o seu primeiro grande trabalho em Amistad de Steven Spielberg, reitera a sua capacidade em interpretar aquele homem desgraçado, que desce ao inferno depois de perder família, liberdade, tudo. Além da sua forte presença física e dramática, em cenas de desespero e explosão, chama a atenção o modo como ele mostra sempre uma certa doçura e humildade, num embrutecimento que não necessariamente o torna mercenário. Connelly fecha bem o trio principal com a sua jornalista idealista que nada mais é que um recurso para dar voz às opiniões de seus criadores e para explicitar o julgamento que os mesmos fazem da história que estão narrando. O mais louvável desses atores, no entanto, é conseguir sobrevier ao roteiro e a Edward Zwick.

Diamante de Sangue tem coincidências demais, isso o deixa pobre. Basta Solomon encontrar um diamante pra que algo exploda e imediatamente os vigias tirem os olhos dele. Os acontecimentos parecem seguir um compasso muito marcado, tudo muito cronometrado, uma coisa parece sempre esperar outra se iniciar antes de se concluir. Falta uma certa organicidade ao filme. Assim como os vários vilões arquetípicos – para que isso? Para que cicatriz no olho? A realidade de lá já é suficiente pra produzir facínoras que se prezem –, essas situações de “fácil assimilação” vem de uma visão deturpada do que o espectador quer. Bobeira. Basta ser bem feito e menos preguiçoso que todo mundo gosta, gregos e troianos. Acho que se o roteiro tivesse corrigido esses entraves antes, o seu didatismo e sua incessante proclamação moral soariam menos piegas e mais agudas.

O trabalho orquestrado por Zwick, ao invés de tentar corrigir um pouco o roteiro, parece o abraçar sem pestanejar. Tudo é feito sem muita inspiração, compatível apenas com o orçamento polpudo do filme. Ao contrário de Fernando Meirelles, ele não usa a câmera para elevar ou sublinhar o que acontece na história, ele se limita a retratá-la. A própria história referente a Dia, filho de Solomon, e os outros meninos que são transformados em matadores em série não é mostrada com a força que poderia. É uma seqüência pesada sim, mas haveriam possibilidades dela ter sido melhor explorada. A música parece não estar adequada, a câmera e a montagem parecem não seguir a linha que tornaria aquele momento mais poderoso e mais emblemático. E ainda, a violência dos tiroteios, dos ataques é, digamos, panorâmica demais. Fica parecendo apenas aqueles tiroteios de filme de ação: muita gente correndo, muito barulho, mas pouco acontecimento pontual e estreito dentro desse quadro. Dessa maneira fica tudo como um grande obstáculo pros protagonistas ultrapassarem e pra também alimentar a sede de pirotecnia do público.

Trocando em miúdos, a escolha do tema, a composição da estrutura do filme, a escolha do elenco, tudo isso é fator positivo. Entram como falhas o roteiro meio novela, meio filme do Rambo que insiste em agregar uma série de cacoetes e situações que alem de estendê-lo mais que o necessário, o minimizam frente a sua proposta política; e a direção que vai pouco além do esperado para um filme-pipoca (coisa que Diamante de Sangue deveria superar). Está longe, muito longe de ser um filme que equilibre bem, como citei no início, bom cinema com denúncia, mas criticas a parte, valeu ao menos a intenção de tentar tocar no tema.

Comentários (0)

Faça login para comentar.