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Críticas

Cineplayers

Um filmaço que mostra a tragédia conhecida como "Domingo Sangrento", filmada com perfeição.

8,0

Não posso acreditar nas notícias de hoje
Oh, não posso fechar os olhos e fazê-las desaparecer

Quanto tempo...
Quanto tempo teremos de cantar esta canção?
Quanto tempo? Quanto tempo...
Porque esta noite... podemos ser como um
Esta noite

Garrafas quebradas sob os pés das crianças
Corpos espalhados num beco sem saída
Mas não vou atender ao clamor da batalha
Ele me irrita, me encurrala,

Domingo, sangrento domingo

E a batalha apenas começou
Muitos perderam,
Mas me diga quem ganhou
Trincheira cavadas dentro dos nossos corações
E mães, crianças, irmãos, irmãs separados

Enxugue suas lágrimas
Enxugue suas lágrimas
Enxugue seus olhos injetados

E é verdade que somos imunes
Quando o fato é ficção e a tv realidade
E hoje milhões choram
Nós comemos e bebemos enquanto amanhã eles morrem
A verdadeira batalha começou
Para reivindicar a vitória que Jesus conquistou.

Esta acima é a letra traduzida da música “Sunday Bloody Sunday”, que o U2 fez para homenagear as vítimas do massacre da cidade de Derry, na Irlanda do Norte, em 30 de janeiro de 1972, e que é revivida de forma magistral em Domingo Sangrento, filme com tom documental e ritmo maravilhoso do diretor Paul Greengrass. O filme é um registro quase real, tocável, dos acontecimentos daquele dia, quando os católicos na Irlanda marcharam, sem autorização, a favor dos direitos civis, e foram de encontro às tropas britânicas. O resultado: 13 mortos e 14 feridos do lado dos irlandeses. Nenhum soldado foi sequer ferido.

Domingo Sangrento é composto basicamente de três atos: a preparação para o protesto pacífico; o protesto; e as conseqüências do massacre. O diretor mostra, sempre paralelamente, os dois lados da moeda: uma hora, mostra o exército preparando-se para repelir a passeata; logo depois, mostra os preparativos da passeata, principalmente pelos olhos de Ivan Cooper (James Nesbitt), o principal organizador. O interessante é que os dois lados já sabem de antemão que haverá confronto, por isso a tensão passada por Greengrass funciona desde a cena inicial. Essa tensão crescente, do ponto de vista dramático, é incrivelmente bem realizada pelo diretor. A cada minuto que se antecipa o inevitável choque entre exército e os marchantes, o filme demonstra uma energia cada vez mais nervosa.

Imaginar que tais fatos realmente ocorreram impulsiona ainda mais a experiência. Por mais cruel que seja esse comentário, ele é real. As cenas de batalha, em seu clímax, são filmadas com uma maestria chocante pelo diretor (lembram, em menor escala, a cena inicial de O Resgate do Soldado Ryan), sempre com câmera na mão, imagem tremida, no meio da ação e dos acontecimentos (não há muitos planos largos). Confesso que me peguei sem fôlego durante alguns momentos da cena crucial, e senti uma raiva tremenda do exército, que atacava impiedosamente, e injustamente, os civis inocentes (99% deles não participavam de atos contra os soldados).

E essa raiva sentida talvez seja o principal ponto fraco do filme. O espectador com falta de conhecimento dos acontecimentos reais (em parte, eu próprio), pode se sentir confuso ao se perguntar se realmente houve um massacre deliberado para cima dos civis, ou se é um artifício de manipulação por parte do roteiro, que faz questão de mostrar, em seu terceiro ato, mães chorando desconsoladas, feridos ardendo em dor, e os líderes do exército tentando encobrir os fatos. Nesse sentido outro filme que me vem à cabeça é Carandiru, só que este é deliberadamente a favor dos presos, conforme legenda explicativa no seu final. Mas falando do terceiro ato do filme, ele é sem dúvida o mais fraco também. Funciona como um anti-clímax, e nada de realmente novo acontece, que não fosse previsível ou não tivesse sido sugerido antes. Por exemplo, já sabia-se que o exército iria inventar provas desde o início, mostrar isso acontecendo é redundante. Mesmo assim, essa parte não é o suficiente para tirar o brilho do segundo ato do filme, além da preparação muito bem realizada para ele no primeiro ato.

Creio que o tom documental desenvolvido pelo diretor é o ideal. Para ter uma idéia bruta do tom do filme, pense em O Informante (Russel Crowe, direção de Michael Mann) com muita ação. Nem todos os personagens têm seus destinos esclarecidos, pois o foco principal, antes deles, é o próprio acontecimento. Mesmo assim, todos os atores principais (Nesbitt sobretudo) são bem aproveitados, e existe todo um cuidado, ao que parece, para não transformar os bandidos em estereótipos de assassinos cruéis, sem alma (o soldado preocupado com o fato de a passeata ter muitos jovens é um exemplo disso).

Domingo Sangrento foi o vencedor de vários prêmios em festivais ao redor do planeta. É um trabalho que pode chegar a ser confundido por muitos com um documentário real, tamanho seu esmero e astúcia na realização. Possui alguns poucos pontos fracos, mas mesmo assim pode ser considerado uma obra importantíssima pelo seu conteúdo, ainda acima de sua técnica, que também é impressionante. É um filme bastante visual, muito sangue e imagens feias (não há um trabalho fotográfico para “embelezar” os acontecimentos. Isso não é um filme do Michael Bay), não recomendado para crianças e sequer jovens, mas sim para todas as outras pessoas, sem dúvida nenhuma.

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