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Dora e a Cidade Perdida

(Dora and the Lost City of Gold, 2019)
5,7
Média
16 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Clichê e previsível, porém satírico e divertido

6,0

Criado pelo canal de televisão a cabo Nickelodeon,  Dora, A Aventureira tornou-se um verdadeiro fenômeno, sendo veiculado entre 2000 e 2012 e conquistando (e formando, porque não) uma geração inteira de crianças que se fascinaram com o estilo pedagógico da produção; inclusive, muitos especialistas recomendam para pré-escolares ou crianças com necessidades educativas especiais devido ao estilo paciente, que segue sempre a mesma estrutura, com a protagonista repetindo frases e esperando o espectador repetí-las, ensinando orações em espanhol e embarcando em aventuras fantásticas que estimulavam a curiosidade.

Fazer um live-action de Dora, A Aventureira revelava-se um desafio um tanto sensível que é possível dizer que James Bobin, realizador responsável pelo bem-recebido live-action Os Muppets conseguiu cumprir: Dora e a Cidade Perdida conseguirá divertir os fãs com os velhos clichês do desenho ao mesmo tempo em que amadurece o conteúdo em uma versão pueril de aventura pulp ao estilo Indiana Jones.

A produção usa um dos principais conflitos - Dora crescer e ir para a escola - de maneira instrumental, apenas para introduzir coadjuvantes e adversários para contar a história da protagonista em busca de uma cidade inca perdida e dos pais desaparecidos. Não perde-se nem dez minutos de Dora "interagindo" com a selva urbana - ela reencontra o primo Diego, cai nas graças do nerd Randy, rivaliza com a aluna exemplar e "rainha do colégio" Sammy e é isso, duas ou três cenas depois o filme já avançou para uma espécie de Jumanji: Bem-Vindo à Selva, onde os personagens estão em um cenário inóspito, em busca de uma lendária cidade feita de ouro e têm de combinar suas diversificadas habilidades para suceder em seu objetivo.

Fora esse final corrido, Dora e a Cidade Perdida é bem "pela cartilha", imitando todos os clichês do gênero, como os mercenários caricatos, as armadilhas mortais, os quebra-cabeças interpretativos, tudo feito para os personagens de início resistentes criarem laços afetivos entre si e passarem a funcioanr enquanto equipe. Não é propriamente ruim, mas não há nada propriamente inventivo criado nesses momentos. Certas cenas recriam diretamente momentos da saga Indiana Jones, que nunca deixa de ser uma referência forte aqui - haja visto a cena do "teto de espinhos" descendo para esmagar o personagem ou o enigma final a ser resolvido com a estátua do Deus-Macaco.

Nem sempre a lógica interna do filme funciona - o professor interpretado por Eugenio Derbez têm uma função tardia (e clichê, para dizer o mínimo), mas por boa parte do tempo é apenas ponto fora da curva do resto do elenco. E há de se dizer que essa imaginação com personagens reais acabou sacrificando parte da fantasia do filme e, com isso, a participação do macaco Botas e da raposa Raposo sempre soam estranhos e artificiais  dentro de uma lógica realista parecendo inteligentes demais, humanos demais - o que pode não afetar a suspensão de descrença de um desenho animado, mas aqui sempre parece levar tudo em uma direção mais cartunesca. Para não dizer que as criações em computação gráfica, dado o orçamento razoável do filme (49 milhões de dólares), poderiam ser melhor acabados. Maldade dizer, mas parece servir apenas para justificar as participações especiais Danny Trejo (Machete) como Botas e Benicio Del Toro (Sicário: Terra de Ninguém).

Aliás, a presença de Del Toro e Trejo, somado a Derbez, Eva Longoria (Desperate Housewives), Michael Peña (Homem-Formiga) e Q'orianka Kilcher (O Novo Mundo) transformam Dora e a Cidade Perdida em um triunfo de inclusão, coroado pela presença central da atriz protagonista Isabela Moner (agora Isabela Merced), também cantora e ídolo teen, transparecem as boas intenções de um filme em falar sobre antigas culturas da América Latina e a ligação profunda da cultura dos atores com o tema abordado, com boa parte tendo ascendência mexicana ou peruana. Promovidos a protagonistas e não coadjuvantes de atores brancos, o relativo sucesso de Dora e a Cidade Perdida definitivamente mostra que alguns paradigmas são lentamente rompidos em Hollywood.

Por último, mas não menos importante, talvez o principal acerto do filme, dramaturgicamente falando, é o humor. Isso pode não parecer surpresa para quem já conhecia nominalmente o trabalho de Bobin na franquia Muppets, mas o fato é que Dora consegue ser um filme esperto em seu humor, brincando narrativamente com os clichês ou momentos icônicos da animação base (a personagem quebrar a quarta parede pedindo que o espectador repita as palavras ou balançando-se em cipós, por exemplo). Piadas fisiológicas no limite do aceitável são encenadas até com classe, valorizando o constrangimento, não o choque. Um momento em particular que homenageia diretamente a animação chama a atenção, justamente por incorporar o espírito um pouco mais sarcástico da nova produção. 

No fim das contas, não fosse tão atropelado em seu início e tão previsível na recriação dos clichês desse tipo de filme, o resultado final de Dora e a Cidade Perdida seria ainda melhor. Mas o saldo dá para o gasto, arrancando várias risadas com brincadeiras autoconscientes que elevam o roteiro acima para além da mediocridade. 

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