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Críticas

Cineplayers

Um filme de super-herói.

4,0

É impressionante como as histórias no cinema de Hollywood hoje em dia se negam a terminar; a sede monetária feroz da máquina do grande e popular cinema americano certamente vai acabar enxugando por completo todo resquício de beleza que ainda persiste em resistir, mesmo após anos e anos de pura prostituição.

Drácula: A História Nunca Contada não é um filme sobre um vampiro – é um filme de super-herói. Pra mim é absolutamente inexplicável porque as pessoas ainda não se cansaram disso. Contém toda aquele fetichismo nojento e machista que todo filme de herói tem: a moral sufocante, o corpo helenístico, os vilões bem demarcados... cem por cento de todos os elementos e ferramentas narrativas sendo utilizados como único fim de criar as mais rasas camadas da figura que aquele super-herói fajuto e impossível (que por algum motivo ainda não decifrado, não deixou de existir depois dos anos 1950) é.

Esse é um fenômeno perigoso porque de fato as coisas caminham, numa hollywood mergulhada em crises, de ordem financeira e criativa, para a diluição completa da autenticidade, da história como fim em si mesma até. Nós temos falado dessa crise há bastante tempo e temo perceber que, conforme passam-se os anos, esse fenômeno de emulsificação criativa no cinemão americano torna-se mais facilmente detectável. Me chamem de fatalista, mas no fim, provavelmente, teremos apenas filmes de herói.

Drácula: A História Nunca Contada é tão parte integrante desse panorama que, apesar de ser o primeiro de sua leva, tem toda a pinta de ser um daqueles quartos ou quintos filmes de uma franquia, que é basicamente uma história porcamente reescrita, com o subtítulo de “gênese” no final. À exceção dos efeitos especiais, que parecem ser bons (mas sei lá, quem realmente se importa com isso?), nada no filme parece ter demandado o mínimo de esforço, criativo, mental, braçal. É uma pequena e tediosa viagem no piloto automático, numa paisagem que já estamos cansados de perceber.

O que mais me entristece, ao notar esses pontos, é que o filme nem ao menos tem a coragem de ser ruim. Há muitos anos atrás um amigo que agora nem me lembro qual é disse uma coisa que levo comigo até hoje: quando alguém assiste a filme recomendado por você, é bom que goste ou que odeie – a pior reação é a indiferença total. Tenho grande admiração por filmes que despertaram em mim um sentimento de ódio ou de tédio – ou de qualquer coisa ruim – profundo; um filme que, enfim, me marcou negativamente de uma maneira especial. Uma das piores coisas que um filme pode ser, é ser esquecível; aparentemente, grande parte das grandes produções hollywoodianas nos últimos anos têm sido justamente isso.

Esse filme esquecível especificamente conta a história do grande guerreiro Vlad, príncipe de um pequeno reino antigo que, sacaneado pelos malditos turcos que exigem 1000 garotos para fazer parte de seu feroz e dominante exército, resolve se transformar temporariamente em Drácula. Há um porém: embora o feitiço dure apenas três dias, tempo que Vlad acredita ser suficiente para derrotar todo o exército turco, ele será tentado por uma sede de sangue irresistível e, caso ceda a essa tentação, ele será Drácula para a eternidade. Ou algo assim.

De início, o plano de Vlad parece ser bem sucedido, mas de repente umas coisas começam a dar errado e, de um jeito meio kafkiano (olha só!) ele acaba sendo obrigado a abrir mão de tudo que mais ama para conseguir dar algum sentido de êxito ao ambicioso plano que ele arquitetou.

Existem umas cenas legais que mexem um pouco com o campo da abstração e, para ser justo, as imagens do filme me parecem munidas de muita textura – sinal que, ao menos visualmente, as coisas foram um pouco bem realizadas. Não consigo passar ileso, porém, de que todas as questões narrativas são simplesmente burras, o herói é um babaca, os personagens são detestáveis e descaracterizados, a percepção dos sentimentos é trabalhada de maneira manipulativa, ao invés de sincera e bem intencionada; a mulher de Vlad, Mirena, é uma gigantesca ofensa à todas as mulheres do planeta, uma personagem feminina submissa, inteiramente entregue aos desejos, anseios, medos e inquietações de seu marido, másculo e viril; uma personagem que, em outros tempos de fato existiu, mas que, diante dos avanços morais que os movimentos das mulheres bem fizeram ao mundo, a reprodução desses estereótipos opressivos dá um tom todo revoltante e especial a essa opressão.

O filme, sem surpresa alguma, termina com um cliffhanger (ferramenta narrativa caracterizada por terminar uma história em alguma espécie de clímax, geralmente indicando continuação), que é à sua maneira todo especialmente revoltante também, pois embora muitos filmes sugiram fortemente uma sequência, Drácula: A História Nunca contada transforma essa sugestão em parte integrante de sua história, a última cena se passando mais de mil anos depois ou algo assim, explicitando um outro conflito que será explorado num segundo filme. Se a bilheteria permitir. Fiquemos na torcida para que não permita.

Comentários (14)

Caio Henrique | terça-feira, 04 de Novembro de 2014 - 11:00

"Então a possibilidade de não haver uma sequência ainda é grande."
oremos

Luiz F. Vila Nova | terça-feira, 04 de Novembro de 2014 - 11:32

Dragon Ball deveria ser realizado com um grande orçamento (US$ 150 milhões ao menos) e baseado nas sagas do DBZ (Saiyajins, Freeza, Cell e Majin Boo - 4 filmes) e dirigido por Zack Snyder, que já demonstrou aptidão no estilo do anime no filme 'O Homem de Aço'.

Cristian Oliveira Bruno | segunda-feira, 10 de Novembro de 2014 - 20:42

Não achei o filme terrível, apenas ruim. Afinal, o título Drácula foi só pra levar gente pro cinema, pois de Drácula esse filme não tem nada. Acho que vale um 4,5 ou 5 diante do que vemos hoje

Renato Coelho | sábado, 21 de Fevereiro de 2015 - 00:06

poxa guilherme, falou tudo. ultimamente quase todos os filmes americanos têm sido esquecíveis; são poucas exceções. o filme tem alguns efeitos bem atrativos, mas, como vc mesmo disse, quem liga pra isso. me parece que hoje em dia ninguém quer pensar mais, e os filmes são vistos como mero entretenimento - o que, de certa forma, faz valer a pena sob o ponto de vista financeiro. o que tenho saudade é de filmes bem pensantes como "fogo contra fogo" e até uns bestas de John Travolta e companhia. o que vai acontecer com o cinema? teremos que engolir filmes medianos ganhando o oscar... só pode ser!!!!!

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