Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Filme sobre os primeiros anos do reinado de Elizabeth I é superficial e maniqueista.

6,5

Filmes históricos, em geral, seguem duas vertentes: ou optam por retratar grandes episódios da História ou tentam cobrir a vida de figuras que resistiram ao tempo. Nos dois casos, no entanto, é da tentativa de se equilibrar a fidelidade histórica (quando existe alguma documentação que lhe confira credibilidade) com as “exigências” do cinema que o filme é moldado. O senso comum convencionou que toda história tem de ter começo, meio e fim; que sempre tem de haver a luta do bem contra o mal e, se possível, com vitória triunfal do primeiro; que a mocinha tem de ser pura e acreditar, sobre todas as coisas, no amor verdadeiro; e por aí vai... Talvez a psicologia dê alguma explicação, mas eu não sei como esses clichês se instalam e por que são tão universais. Eles existem. É fato. E nem sempre são ruins. Mas essa série de cacos sedimentados ao longo do tempo na ficção como um todo, em obras históricas, torna-se mais realçada por conflitar com a tal fidelidade aos fatos – a realidade nem sempre é um romance. Nesse sentido, é o desequilíbrio entre esses dois pesos que atrapalha Elizabeth.

Elizabeth I (Cate Blanchett) governou sozinha a Inglaterra por 44 anos, foi responsável por transformar um reino estilhaçado por conflitos religiosos na nação mais poderosa do mundo, viu o auge do renascimento cultural, foi incentivadora das artes (Shakespeare escrevia muitas de suas peças para ela), enfim, tornou-se a maior estadista que a Inglaterra já teve (e olha que o panteão é grande – Winston Churchill, Margaret Thatcher, Elizabeth II). Sua aura de mito é reforçada pelos livros de História que a nomeiam como a Rainha Virgem, por ter, em suas palavras, optado por casar-se com a Inglaterra. O filme com roteiro de Michael Hirst (da recente série The Tudors, sobre a vida de Henrique VIII, pai de Elizabeth) e direção do indiano Shekhar Kapur (Honra & Coragem – As Quatro Plumas), debruça-se, entretanto, sobre a ascensão de Elizabeth e seus primeiros anos de reinado. A base do filme é (ou deveria ser) justamente como a personalidade de Elizabeth foi moldada a partir do jogo de intrigas políticas e do fardo que representava para uma jovem, bastarda ainda por cima, tornar-se rainha. Seria um foco interessante, não fosse à insistência do roteiro em martelar os tais clichês, que além de tudo, estão frouxos.

Para dar luz ao conflito entre a vida de mulher e a vida de rainha – é óbvio – foi colocado um amor impossível. Seu affair com Robert Duddley (o chato Joseph Fiennes) marca bastante o início do filme. A pressão para que ela se casasse era enorme, já que muitos consideravam sua posição no trono ilegítima e vários outros Estados flertavam com ela a fim de conseguir uma aliança política materializada no matrimônio. É a partir da impossibilidade de levar adiante esse amor, então, que Elizabeth tem seu primeiro solavanco no poder. Não seria de todo ruim essa licença (não há evidência concreta alguma que confirme o caso entre Elizabeth e Dudley) se ela fosse bem executada. Dudley sofre uma guinada de comportamento pouco verossímil em determinada parte do filme. Sua figura, ao final, não gera ambigüidade, mas confusão. Falta-lhe substância e até mesmo tempo em cena – em determinado momento, ele se reduz a mais um dos inúmeros conspiradores e o filme não se detém sequer em explicar mais a fundo o fato de ele ser casado. É um personagem fraco e mal elaborado. Esse é um dos pontos frouxos da trama.

O outro ponto frouxo é como o roteiro lida com as várias intrigas e conflitos que compunham a corte ao redor de Elizabeth. A questão religiosa (protestantes x católicos) se resume a um ou outro bispo de cara amarrada ou se autoflagelando. Não há um cenário histórico consistente, apenas uma rainha que luta pela liberdade de seu povo e uma Igreja disposta a eliminar demônios. E aqui, temos, pois, outro clichê reducionista – bem x mal. Garanto que a situação era bem mais complexa que isso. Nessa mesma linha desconexa e maniqueísta estão os conspiradores que orbitam em torno de Elizabeth – uma boa “limpeza” poderia ter sido feita; o excesso de pseudotramas tira o foco de Elizabeth.

Frases proclamadas como “O casamento de uma rainha nasce da política, e não da paixão” ou “Eu me casei com a Inglaterra” evidenciam o tom didático do filme, ao querer clarear, a todo custo como Elizabeth se tornou a Rainha Virgem. Não é um defeito tentar ser simples e direto. Arriscaria a dizer que aqui seria até o ideal. Mas é preciso ter método e, sobretudo, foco. Frases coladas não compõem personagens, mas sim uma trama bem amarrada, com consciência de seus condicionantes – no caso, momento histórico e a vida pessoal de Elizabeth.

Todavia, algumas coisas se salvam. Cate Blanchett, que estourou com esse filme, consegue, apesar de todos os tiros perdidos do roteiro, acertar na interpretação e, se conseguimos perceber o enrijecimento, o amadurecimento e até o conformismo de Elizabeth, é graças à atriz. Shekhar Kapur até que tem boa mão pra direção. Sutileza, entretanto, não é a sua especialidade. Ele se sai melhor nas seqüências “clipadas”, com música retumbante, iluminação teatral e estética barroca que acabam funcionando.

Naquele tal conflito entre fidelidade histórica e as tais “exigências” do cinema, Elizabeth seduz-se mais pelo segundo, desequilibrando a balança. Esse é um exercício difícil, sem receita pronta. O filme tateia em um monte de coisa, sem efetivamente, abraçar nenhum. Flerta com o tom romântico, mas o abandona pelo caminho. Tenta colocar uma espécie de thriller de época, mas só consegue maniqueísmos e intrigas aborrecidas. E no fim, das contas, não temos nem um cenário histórico coeso e real, nem um romance que valha a pena. Desequilíbrio total.

Comentários (0)

Faça login para comentar.