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Críticas

Cineplayers

Ousado na escolha da abordagem e genérico na execução.

6,0
De certa forma, Breno Silveira gosta de fugir dos estereótipos definidos por público e produção na cinematografia brasileira e atravessa um mato alto ainda no início da exploração: a investigação da história do Brasil no século XX. É o que acontece com suas duas cinebiografias musicais, 2 Filhos de Francisco e Gonzaga - De Pai para Filho, que encenaram a vida dos ícones Zezé di Camargo e Luciano, Luiz Gonzaga e Gonzaguinha. Ao tentar embarcar na onda de musicais americanos que recriavam a vida de ícones estadunidenses como Ray Charles e Johnny Cash, acabou que os produtores descobriram uma mina de ouro que se espalhou entre produções cinematográficas, televisivas e teatrais.

Entre Irmãs distancia-se do gênero musical, mas também olha para trás com lentes contemporâneas, distanciando-se de um olhar romântico sobre a época e descobrindo o Brasil do interior e urbano com problemas, segredos e questões; criadas pela tia em plena década de 30, as irmãs Luzia e Emília sonham com outra vida para si, dando vazão isso através de pequenas insurgências particulares - Luzia, com um braço aleijado desde a adolescência, solta todos os passarinhos engaiolados na vizinha que consegue encontrar; Emília, por sua vez, e para o desgosto da tia que cria as duas irmãs, copia modas e estilos da cidade grande enquanto ambiciona ser uma senhora. 

De inspirações assumidamente Leanianas (em entrevista ao Globo confessou sua admiração pela obra-prima Passagem para a Índia, dirigido por David Lean em 1943), Entre Irmãs é um filme até deslocado, digamos: é um melodrama clássico em uma época de desconstrução, revisionismo e paródia de todos os clichês que em algum momento já alcançaram pontos limítrofes, que já foram largamente questionados ou simplesmente encarados com ironia antecipada. 

E o filme, que depois de um longa introdução e preparação tem sua principal virada quando Luiza é sequestrada por cangaceiros, a tia das meninas morre e Emília é cortejada por um estudante da capital, pouco faz para fugir disso. E isso é algo tão negativo quanto positivo. Ser negativo já foi explicado; é um cinema que já nasce engessado, antigo. Não olha para trás; tenta ser lá de trás, com os vícios soando por vezes até risíveis. As tomadas ambiciosas, as extremas marcações de cena, as questões ideológicas tratadas de maneira quase panfletária, tornando-se muitas vezes genéricas, lotada de situações pouco verossímeis que alavanquem mais e mais drama.

Visitas modernas e contemporâneas ao melodrama por vezes desnudaram-no, como em O Medo Devora a Alma, de Fassbinder, pegando a história de Sirk para dar um tratamento psicológico Strindbergiano; já em Longe do Paraíso e Carol, Haynes dissolveu o melodrama na apatia e no cinismo pós-indie; em tempos de crise de representação, viraram filmes sobre personagens que jogavam com uma vida e tendo que lidar com outra, longe da fotografia estonteante. Aqui, a história da irmã que vira líder cangaceira grávida de um lendário fora da lei contrastada com a história da irmã que vai para a cidade e descobre suas hipocrisias e preconceitos é um terreno de imagens cristalizadas, de caminhos já percorridos. 

O aspecto positivo seria justamente esse, de desconstruir um passado romântico - o Brasil da década de 30 - como um espaço e tempo com suas próprias questões, ideologias fervilhantes, ser empático com os que estão no limite da lei, dar voz aos excluídos, mostrar imagens impressionantes (o campo de refugiados que perderam suas casas na guerra entre Governo e Cangaço), mostrar a elite em seus piores aspectos (a homofobia implícita e explícita, a frenologia que queria condenar as pessoas com base em características de nascença) e sua responsabilidade em uma sociedade organizada em cima de prejuízos e privilégios. 

Mas lançado em meio a um cinema tradicionalmente sóciopolítico, Entre Irmãs limita-se a dar visibilidade para o público das atrizes globais por uma curta faixa de tempo. No país tanto de Ganga Bruta quanto de ciclos regionais, de projetos teóricos e autorais, de sonhos industriais, o filme de Silveira é carregado de suas boas intenções em cenas chorosas, lotadas de música e performances emocionais, gritadas, carregadas de paixão em sua crueldade e martírio, em suas grandes panorâmicas seguidas por cenas decupadas de maneira esquemática (geral, plano, contraplano, grande uso de closes)... É um cinema de outro tempo que decerto tem seu valor estético e foi influente em seu valor pedagógico para as massas, mas que já não diz muita coisa a ninguém. 

O encontro entre “drama cantado” e pedagogia migrou para a televisão, a ousadia estética aliada à acessibilidade para as produções em streaming, enquanto o cinema abraça cada vez mais seus nichos, onde chavões e inovações acontecem sempre em meio a pura polêmica. Esse drama pesado, afetado, com quase três horas, não parece fazer muito sentido além de afagar as necessidades e inseguranças de “outros países têm e nós não”. Apesar de sempre tentar escolher e tentar replicar sensações da cinematografia lá de fora, os filmes de Breno Silveira arriscam caírem em um arremedo que, quando não têm o chamariz de tratarem de personas pública como Zezé di Camargo e Luciano ou Luiz Gonzaga, promove um esforço hercúleo de criar “nosso produto” - muitas vezes resultando em uma falta de relevância e identidade que a impressão final que deixa é de que, apesar das temáticas, trata-se de um melodrama nada mais que conformista e protocolar. 

Visto no Festival do Rio 2017

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