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Críticas

Cineplayers

A ternura que a ambição desmanchou.

8,0

Passado quase que exclusivamente em um só local – as locações foram na Serra da Mantiqueira –, Entre Nós (idem, 2013) nos lança a um pequeno núcleo de acentuados conflitos quando a expectativa era outra. Isso é surpreendentemente saudável para o filme do diretor Paulo Morelli. Acompanhamos um grupo de jovens se divertindo, permitindo-se gozar de todos os prazeres, discutindo o futuro, política e futebol. Estamos, no princípio, em 1993, quando esses jovens encontram-se numa casa de campo. Decidem escrever cartas e enterrá-las num local a fim de abri-las após 10 anos. O conteúdo dessas cartas eram livres, no entanto, esperavam que fossem expectativas com relação ao futuro. O remetente e o destinatário era a mesma pessoa, o que favorece a possibilidade de frustração por alguns sonhos falharem. Um acidente, no entanto, muda tudo! Muda perspectivas, ambições, o porvir.

Dirigido por Paulo Morelli e codirigido por seu filho, Pedro Morelli, o filme traz um amplo campo de possibilidades dramáticas para o público, e é incrível notar tal dimensão pelo teor psicológico carregado que transforma a narrativa numa trincheira temporal de conflitos, afunilando personagens no terreno amplo e bonito capturado pela vigorosa fotografia. Os campos, as árvores e as águas dão uma leveza contínua e confusa ao filme, a relação sorridente entre seus personagens sugere igual senso e poderíamos supor que estávamos frente a um doce longa sobre amizade. Um feliz engano. Tudo muda rapidamente, uma década se passa e constatamos sinais do tempo nas expressões e ações. O roteiro dá profundidade a cada personagem, os atores tiveram liberdade de se inventarem.

O trágico entra em cena. Tecnicamente o filme é competente, mas não vai tão longe. O espaço e o tempo o favorecem, a locação permite que o diretor trabalhe com distintas dimensões e a câmera rodeie independente, transitando entre cômodos, sobrepondo objetos, encontrando detalhes. Nesse caminho progressivo, quando se passam 10 anos e nos encontramos na primeira metade de 2002 com a seleção brasileira desacreditada e próximo das eleições presidenciais, os amigos se reencontram e o clima é de profundo constrangimento. Alguns poucos se falam, custam até mesmo trocar olhares. Alguns obtiveram sucesso, outros convivem com fracassos. Casais se formaram, amizades se desfizeram. No ar paira um clima de desconfiança e  desconforto num mistério asfixiante que atrela o passado e o presente com mentiras cruciais, dias anteriores à aflitiva hora de desenterrar as cartas que guardam muito mais do que memórias e expectativas.

Esse balanço de passado e presente é bem fundamentado. Ambos dotam de complexidade e o primeiro não aparece unicamente como um mote para desencadear memórias, tornando-se fragmentos de outrora, mas funciona como alicerce de idealizações e níveis de relações. Há toda uma densidade que irá estruturar o presente que assistimos, com metáforas e referências. Vale acrescentar que um dos maiores trunfos foi a escolha do elenco. Caio Blat foi chamado para protagonizar, e a partir dele o elenco se formou com pessoas de seu convívio social, o que favoreceu a cumplicidade dos personagens sem qualquer exagero.

Novamente ao lado de Maria Ribeiro, Blat divide a cena também com Júlio Andrade, Carolina Dieckmann, Martha Nowill (ótima), Lee Taylor e Paulo Vilhena. Todos possuem desenvolvimento sem priorizações, entendemos cada um graças à expressiva quantidade de diálogos. Com planos fechados e próximos, mergulhamos em suas intimidades, ao passo que desvendamos suas angústias. A culpa se eleva enquanto as acusações ficam veladas, acontecendo unicamente em indiretas, atingindo como ofensa, desequilibrando todo o grupo. A amizade já não é mais a mesma. Nada é a mesma coisa.

O que resta são intransigências e mágoas; e um livro. Um livro de grande sucesso comercial, lançado tempos após o acidente determinante para os rumos da história. Um potencial livro de ficção. Esse não deixa de ser um personagem objetal, já que muito se passa ao seu redor, dando-lhe relevância necessária para os desdobramentos das dinâmicas. Há também uma ligação com um escaravelho bem pontuada em alguns momentos da história. O inseto está virado, incapaz de caminhar sozinho. Nem todos são solidários ao seu esforço em vão e apenas o contemplam. O vislumbre de um pesar que terminará como uma maldição.

O fato circunscrito nas tomadas curtas de Morelli, juntamente à narrativa aplicada cujos diálogos e dicções estonteiam pelo naturalismo e realismo de sonhos influídos vagantes na realidade cruel exposta, exprimem ideais longínquos. Algumas coisas podem não ter se realizado. Isso explicaria a frustração dos dias que em comunhão sentem o vazio da existência, o clamor pelo mínimo do mais idealizado os quais todos os personagens anseiam. Mas pode não ser, podem ter conquistado tudo que escreveram nas cartas e ainda assim viverem com a sensação de uma fenda no peito que os impossibilita de serem felizes. Assim, em outras palavras, o personagem Cazé (Andrade) expressa sua sensação antes das aberturas das cartas, revelando suas vidas, desventuras, melancolias. O filme enternece na incerteza pedindo um novo encontro entre o público e os personagens. O tempo dirá se virá.

Visto na 37º Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Comentários (2)

Araquem da Rocha | sábado, 10 de Janeiro de 2015 - 13:21

Poderia ter mais filmes nacionais,nesse estilo,e com essa qualidade.

nelson rios dias | sexta-feira, 15 de Dezembro de 2017 - 07:34

Só uma pequena correção, a primeira parte do filme se passa em 1992 e não em 93, fora isso a critica está excelente.

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