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Críticas

Cineplayers

Mesmo longe das obras-primas de Polanski, é um excelente thriller, com momentos típicos de um grande mestre.

8,0

A carreira de Roman Polanski, como a de qualquer outro cineasta, é construída de erros e acertos. A diferença em relação à grande maioria, porém, é que, quando em boas jornadas, Polanski é capaz de realizar grandes filmes e, mesmo quando erra, seus trabalhos sempre oferecem algo de diferenciado. Não é por acaso que seu nome está no crédito de diretor em obras-primas como O Bebê de Rosemary, Chinatown e O Pianista. Seu mais recente esforço, O Escritor Fantasma, pode não estar no mesmo nível destes trabalhos – o que talvez fosse pedir demais –, mas é um thriller acima da média e, sobretudo, claramente orquestrado por alguém que entende do ofício.

A história começa quando o personagem interpretado por Ewan McGregor, um escritor especializado em biografias, recebe uma proposta para redigir as memórias de Adam Lang, um famoso político. O protagonista aceita o trabalho e viaja até os Estados Unidos para se encontrar com Lang e começar as suas entrevistas. Pouco a pouco, ele descobre que o escritor encarregado da tarefa antes dele morreu em circunstâncias misteriosas e desvenda alguns segredos sobre o passado de Lang. Quando se dá conta, o protagonista está preso em uma situação da qual não sabe como escapar e que coloca, inclusive, a sua vida em risco.

Assim como em diversos de seus outros filmes, Polanski mais uma vez parte da premissa de colocar o seu protagonista em um cenário desconhecido e que, exatamente por essa razão, torna ainda mais perigoso o desafio que ele deve enfrentar. Em O Escritor Fantasma, o personagem é levado a isso quase contra a sua vontade – ele é praticamente empurrado pelo editor. O cineasta realça a ameaça constante desse meio através da construção praticamente perfeita de uma atmosfera angustiante, explorando uma paleta de cores escura e quase opressiva. Praticamente não há sol ou luz em O Escritor Fantasma, uma escuridão que, somada à ótima trilha de Alexandre Desplat, cria um clima constante de perigo, com a sensação de que todo aquele mundo é vivido às sombras.

Aliás, o que também ajuda a estabelecer essa tensão é o cuidado de Polanski em manter o tom realista do filme. Mesmo com um ou outro deslize (como comentarei mais adiante), o cineasta utiliza a sua câmera de modo a transmitir veracidade, sem apelar para truques – e a cena da perseguição de carros, com boa parte dela filmada dentro do veículo do protagonista, é um exemplo perfeito disso. Além disso, o roteiro, escrito pelo próprio cineasta e por Robert Harris, autor do livro que deu origem ao filme, é cuidadoso ao não deixar o personagem principal se tornar uma espécie de super-herói: todas as suas atitudes, inclusive o medo, são aquelas que uma pessoa comum tomaria caso se encontrasse em tal situação.

Neste sentido, mesmo que não faça profundas análises psicológicas de seus personagens, O Escritor Fantasma os desenvolve de maneira suficiente para que os espectadores jamais percam o interesse na história. Assim, o protagonista interpretado com eficiente discrição por Ewan McGregor surge como um profissional inteligente e consciente de seu papel de “fantasma”. Aliás, a opção do roteiro por não revelar o seu nome se mostra igualmente acertada, pois, além de estar totalmente de acordo com a sua profissão – e, claro, o título do filme –, ressalta a ironia de que, mesmo sendo um “Zé-ninguém” para aquelas pessoas, ele tem o poder de destruí-las.

Da mesma forma, Adam Lang vai se revelando um personagem interessante à medida que a trama se desenrola. Primeiramente visto como um político charmoso e, possivelmente, corrupto, Lang aos poucos demonstra uma falta de habilidade naquilo que faz, mesmo que tenha firmes convicções em suas opiniões. E Pierce Brosnan, um ator por vezes limitado, atua com inteligência, utilizando sua própria canastrice para criar a persona política do personagem. Ao mesmo tempo, Olivia Williams se sai bem ao equilibrar força e vulnerabilidade no papel da esposa de Lang, enquanto o veterano Eli Wallach, um irreconhecível James Belushi e Timothy Hutton surgem em pontas nas quais pouco têm a fazer.

Os personagens, porém, não são o grande destaque de O Escritor Fantasma. O filme se segura muito na estrutura de seu enredo, muitíssimo bem construído. A trama se desenvolve de maneira gradual e, mesmo que perca um pouco o ritmo quando o protagonista começa a investigar o assunto, a história é bem amarrada e sem excessos. Cada cena parece pertencer ao seu lugar, sem momentos desnecessários, inclusive as reviravoltas e surpresas, todas orgânicas à trama e que realmente contribuem para o filme, ao invés de soarem gratuitas. Além disso, os diálogos são afiados, com uma certa ironia e humor negro, que também ajudam a manter o constante clima de dúvida.

Roman Polanski, por sua vez, demonstra toda a sua maturidade como cineasta ao conduzir a história com elegância e precisão. Como já dito, praticamente todas as cenas têm um propósito, realmente levando o enredo para a frente em uma atmosfera de tensão crescente. Mais do que isso, o cineasta ainda constrói planos fabulosos, em uma prova de seu virtuosismo técnico. Difícil não colocar os cinco minutos finais de O Escritor Fantasma, desde já, entre os momentos mais sublimes do ano: da forma como filma a descoberta do protagonista nas páginas do manuscrito, passando pelo plano-sequência que acompanha um bilhete de mão em mão e chegando até a magnífica cena final, cada segundo transpira o mais puro talento cinematográfico e a certeza de se estar diante de um mestre da arte.

Porém, mesmo os mestres dão suas derrapadas, e O Escritor Fantasma tem a sua parcela deles. Além da já citada quebra de ritmo durante alguns minutos na metade da produção, Polanski ainda realiza algumas escolhas duvidosas: a aparição de Eli Wallach, por exemplo, parece ser do nada, em uma coincidência nada verossímil. Da mesma forma, o caso entre o protagonista e Ruth nada acrescenta à trama, além de adotar um tom de comédia que não se encaixa ao filme – a forma como tudo acontece é um dos raros momentos no qual o espectador tem dificuldades de acreditar que aquilo realmente poderia acontecer.

Quem insistir, pode até achar que O Escritor Fantasma traça um paralelo com a vida real, ao colocar o primeiro-ministro britânico como apoiador dos norte-americanos (Tony Blair?). Mas talvez seja demais tratar o filme como uma sátira social. No final das contas, O Escritor Fantasma é um thriller muitíssimo bem executado, conduzido com maestria por Roman Polanski e que não subestima a inteligência do espectador em momento algum. Não vai figurar entre as obras-primas do cineasta, mas é muito acima da média do que se tem visto nos cinemas hoje em dia.

Comentários (2)

Cristian Oliveira Bruno | terça-feira, 26 de Novembro de 2013 - 14:22

Mais uma aula de Polanski. Que cena final linda!!! McGregor é muito bom ator e Brosnan, bem dirigido, faz direitinho o seu trabalho.

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