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Críticas

Cineplayers

Comédia, ação e melodrama num game picareta.

5,5

A nova franquia do Homem-Aranha é a mais picareta do cinema recente. Vamos ao contexto: Tobey Maguire só voltaria ao pretendido Homem-Aranha 4 se Sam Raimi dirigisse o diretor recusou. A Sony, porém, ignorava o desgaste da cinessérie e, ávida em faturar mais algumas centenas de milhões com o Cabeça de Teia, teve a "grande ideia": um reboot. Então, ao longo dos muitos meses que antecederam a estreia de O Espetacular Homem-Aranha (The Amazing Spider-Man, 2012), o estúdio elaborou uma campanha de marketing maciça para conter a desaprovação dos fãs em ver uma nova série tão pouco tempo após a trilogia original. A desculpa (algo como "Conheça a história desconhecida de Peter Parker"), nascida de uma reunião de brainstorm entre publicitários, seria não apenas estratégia de divulgação, como ponto de partida da nova saga do super-herói. Tudo certo para dar errado.

E assim fomos apresentados ao novo protagonista, o órfão serelepe de dia e complexado de noite que decide descobrir por que foi "abandonado" por seus pais. E isso ocupa uns 40 minutos enfastiantes do primeiro filme da franquia, até que, numa grave ruptura, o roteiro decide abandonar a premissa e focar na transformação de Peter Parker em Homem-Aranha e investir nas aventuras deste que é o que vende, afinal. E tudo se torna ainda mais cretino quando, já no epílogo, o público  então ciente de que o que lhe fora entubado na divulgação se tornara um engodo excedente dentro do que realmente importa para a história  é lembrado de que tudo será resolvido na sequência. Fosse eu um personagem animado, teria enfiado uma casquinha na testa.

Pelo menos a trama pode ser sintetizada e combina com o seu título horrendo: O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Eletro (The Amazing Spider-Man 2, 2014) é uma sequência cuja trama principal segue em paralelo a um arco complementar tão desnecessário quanto o subtítulo do filme. Muito trabalho para uma aranha, que terá de lidar com um, dois, três vilões, o peso de ter feito promessa que não vai cumprir a um morto (dá-lhe melodrama!) e irá finalmente entender que, se ele foi deixado com seus tios amorosos por seus pais, mortos em seguida, ele não foi abandonado, mas protegido. Resta a ação.

Pois a aventura é das mais empolgantes. Até que... não mais. O filme tem início com os voos radicais do Aranha em quase primeira pessoa, efeito este que faz valer o emprego do 3D - tecnologia consistente e bem aproveitada em todo o filme. Tudo muito bem realçado por um Andrew Garfield cada vez mais à vontade no papel, fazendo troça dos bandidões e trazendo à tona a essência do Peter Parker que faltava ao seu antecessor. Mas a alegria de ver reunidas as principais características de um dos super-heróis mais populares das HQ's logo cede lugar à decepção de acompanhar a mais uma adaptação que se desenvolve em cenas de ação anódinas, seja pelo excesso de uma trilha sonora irritante ou de um CGI que transforma o filme num game (de novo!), seja pelo vilão do título ser um ninguém que, ao invés de convencer o espectador do perigo real que oferece (como o traumatizado Doctor Octopus de Homem-Aranha 2 ou o simplesmente doentio Coringa de Heath Ledger), empurra em linhas expositivas uma motivação patética baseada em sua figura de "loser" rejeitado e abraça sua vilania num conflito de personalidade que simplesmente sobra e não cola (como acontecera com o Lagarto, ambas influências chupadas do Duende Verde de Willem Dafoe).

Melodrama, ingenuidade, complacência, inverossimilhança em demasia, todas características que se reúnem nas cenas em que o público é plateia que participa dos confrontos entre o super-herói e seus vilões e evidenciam a diluição da urgência e infantilização do reboot. É Garfield quem carrrega o filme, não apenas se mostrando o Peter Parker ideal, talvez perfeito, como se revelando um bom ator que corresponde com uma verve cômica afinada e se desdobra (e, no geral, convence) quando exigido em cenas dramáticas quase sempre mal construídas pelo roteiro. Nesse contexto, que se destaque também a participação de Emma Stone, especial por seu carisma, olhar expressivo e condição de verdadeira namorada do intérprete do protagonista e a química do casal, algo tão natural, surge como trunfo em um filme tão feito às coxas.

E é exatamente a essa conclusão que se chega sobre o novo trabalho de Marc Webb. Desde seu maior acerto, esvaziado antes de seu lançamento com informações de mercado, à existência de um Rino que, literalmente, surge na primeira sequência e só retorna na última e apenas por ser interpretado por um nome de peso como Paul Giamatti , fica claro que O Espetacular Homem-Aranha 2 é um produto de base e fim mercadológicos, desenvolvido exclusivamente como arrecadação e quantidade (o Duende Verde é outro que só aparece devido ao projeto de um terceiro ou mais filmes), tendo seu aspecto artístico, sua qualidade, atirados para segundo plano. É a tal falência criativa em Hollywood, derivada de sua obsessão por dinheiro, de que os pais dos blockbusters Steven Spielberg e George Lucas vêm falando nos últimos meses. O motivo talvez seja haver neles o que falta aos executivos da Sony nessa cinessérie: coragem, já que justificam o reboot com uma verdade que nunca chega às telas, por puro medo de transgredir à história de Peter Parker apresentada nas HQ's. Assim, o argumento não justifica nada além da picaretagem e ganância que movem a franquia.

Comentários (19)

Vinícius Aranha | segunda-feira, 05 de Maio de 2014 - 00:09

[Spoilers] O lance da Gwen Stacy ficou bem estranho. Foi como se tivessem costurado uma cena de TDK dentro de um desenho animado. Se bem que todas as reviravoltas \"impressionantes\" do filme ficaram forçadas, porque nunca tinha uma construção dramática delicada por trás, e a maior prova disso é o Electro caricato do Foxx.

Danilo Rodrigues Santos | sexta-feira, 09 de Maio de 2014 - 13:09

Ted,Rafael.Que eu me lembre, o Peter Parker era um nerd tímido nas HQs, e não esse \"atleta\" descolado do novo filme.Os novos filmes são mais fieis quando o Peter veste o uniforme, e realmente o novo Spider(com 50 piadas por minuto,bem mais ágil e com as teias artificiais) é mais parecido com o do material original.

Ted Rafael Araujo Nogueira | domingo, 11 de Maio de 2014 - 21:35

Eu não disse o contrário. Vestido o uniforme e na ação/pancadaria propriamente dita o personagem torna-se mais semelhante às HQ\'s. Mas só isso. E as 50 piadas por minuto, salvam-se 2 dessas cinquenta. Pode até ser mais parecido, porém isso não consta como aspecto tão claramente qualitativo a meu ver. Homem aranha 2 sem tantas piadas e não tão similar à HQ, quanto alguns aspectos deste último, da um banho no que tange a construção de personagens e suas interpretações, além de ter uma história não imbecil como este último.

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