7,0
A fotografia tem condições de eternizar o tempo. Este tempo é perpetuado segundo um olhar particular daquele que o percebe e o guarda. No filme, personagens refletem sobre a arte de fotografar, considerando o fotógrafo como um caçador cuja presa é justamente o tempo. Fotografá-lo é a única forma de captura possível. O clique. O momento. E o momento termina.
Fica na fotografia e permanece na memória.
O cinema lida com o tempo. Cabe aos realizadores moldá-lo. Percebe-lo e interpretá-lo é função do espectador. E quando não se vê? E o que está além da imagem? A cineasta Naomi Kawase, que aqui escreve e dirige, propõe que o espectador experimente sua obra poetizada a partir de percepções sobre sensações e pensamentos.
Misako (Misaki Ayame) faz descrições de cenas de filmes para um grupo de deficientes visuais. Através de sua narração cuidadosa e empolgada, o grupo participante idealiza o universo do filme narrado, concebendo supostos quadros a partir dos estímulos das palavras da dedicada narradora. É o processo de imaginação da imagem e interpretação de sua narrativa. Misako é geralmente coberta por elogios. Certo dia, um homem questiona hostilmente seu ponto de vista: estaria ela oferecendo uma visão particular da história, induzindo as interpretações de seus ouvintes? Cada um, afinal, compreende filmes de maneiras diferentes, sempre influenciado por referências particulares.
Nesse ponto, Esplendor transcende sua própria história para alcançar a lógica interpretativa do cinema e a compreensão de mundo particularizada por cada um de seus espectadores – e nessa linha, poderia também ser qualquer outra expressão artística. Naomi Kawase, interessantíssima cineasta japonesa, explora olhares e percepções numa obra melancólica e desolada que impressionantemente carrega perspectivas e encantamentos. Com sensibilidade, exprime romance, perdas e saudades.
Misako se interessa pelo estranho questionador que outrora fora um respeitado fotógrafo. Ele, pouco a pouco, deixa de enxergar as cores para se defrontar com uma névoa clara cada vez mais espessa. A beleza do mundo que capturava desaparece e o tempo se confunde – observe o instante de confusão entre dia e noite após horas de trabalho. Tal como ele, a mãe de Misako vive situação semelhante, vivenciando uma demência, tendo também uma névoa pálida que censura suas recordações. A névoa reside na memória e as ternas lembranças se marmorizam. Esplendor caracteriza-se como um filme sobre perdas, adaptações e reconhecimentos sobre a experiência dos outros com a vida.
Há quem possa se opor ao sentimentalismo apresentado pelo roteiro e especialmente às imagens deslumbradas. Há um cunho pessoal e uma mão decidida por parte de Kawase que procura oferecer a experiência dos personagens ao espectador, tanto na jornada da protagonista ou quando investe na câmera subjetiva. A cineasta explora sentidos e transforma o som, por exemplo, num aparato sensorial funcional. O ato de tatear, tal como o de uma cena significativa onde um personagem percebe o rosto de outro através do toque, é particularmente exuberante e expressiva. Há ainda algumas metáforas, como a escultura de areia desmanchando, que talvez sejam demasiada excessiva. A realidade é sequencialmente traduzida nesta obra de alegorias.
Esplendor traz uma cena onde Misako, ao perguntar a um cineasta sobre suas intenções ao realizar determinado filme, reflete sobre a frustração da realidade no dia a dia, diferentemente do que costuma ver no cinema. A existência é lancinante. Com o tempo perde-se as cores, seja na imagem ou na imaginação. O instante é esplendoroso, inadiável. É o que Naomi Kawase, com seu cinema afetuoso, faz questão de ressaltar.
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