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Críticas

Cineplayers

A Atriz (e pouco além).

5,0

Por que grandes atrizes americanas desde sempre precisam se submeter a filmes medíocres para ter reconhecimento? Por que os homens sempre tiveram à sua disposição roteiros desafiadores que eram muito mais do que veículos de promoção para si mesmos, enquanto estrelas de igual quilate passam anos correndo atrás de projetos anódinos para tirar dali material que as projete? Como ter projeção em um mundo em que, mesmo sendo uma das maiores da sua geração, você tem que se rebaixar a aceitar projetos aquém de seu talento e importância, se quiser continuar representativa? Essas questões infelizmente não cansam de vir à tona especialmente nessa época do ano, quando as premiações tornam visíveis produtos como esse A Esposa, dirigido pelo sueco Björn Runge, e rampa de Glenn Close para os troféus da temporada; sem qualquer satisfação, digo que o filme nunca passa disso.

Produção que durou quase 15 anos para sair do papel, o longa é baseado em livro de Meg Wolitzer (adaptado por uma especialista em dramas femininos, Jane Anderson) e segue uma trama até bem interessante até, que guarda alguma semelhança com o 45 Anos de Andrew Haigh, com mais explosão e conflitos que lá, sem a sutileza e a contenção necessários para sofisticar algo de natureza tão melodramática e carregada. Seus penduricalhos temporais acabam por fornecer gordura extra ao material, aumentando sua duração, diluindo sua potência e reiterando sua mensagem, que apesar de tudo é bastante necessária e moderna (mesmo ambientada em 1992); ok, talvez não tão moderna assim, seja o pensamento que fica ao acompanhar o desenrolar dos eventos de poucos dias na vida do casal Joan e Joe Castleman.

Ele é um dos maiores e mais reconhecidos escritores modernos e acaba de receber a maior honraria de sua classe, o Nobel; ela é... sua esposa, como o título já prenuncia. Ou a isso foi relegada depois de décadas casada, e os sorrisos protocolares, o carregar de casacos, o enfeite que confere dignidade a um homem de sucesso. A ambiência machista onde o casal está situado é absolutamente perceptível muito rapidamente, mesmo que Joan seja uma figura muito mais fulgurante que o próprio marido, um senhor de hábitos execráveis que não percebe o tempo e a História prestes a lhe engolir. Se passará em Estocolmo a maior parte da narrativa, quando o casal e seu filho mais velho forem até a prestigiada cerimônia de entrega dos prêmios. Ameaçados pela presença de um indesejado biógrafo no local, o casal terá enfim um acerto de contas com tudo que construiu.

O filme é enxuto demais em dados que tornariam sua narrativa mais rica — como é a condição financeira dos Castleman —, como por que parece existir uma diferença de tratamento entre seus filhos, sem esgarçar essas situações, apenas uns dados a mais. Já que o filme se presta a contar com dispensáveis flashbacks que — esses, sim — pesam na narrativa e não se justificam, além de, em pelo menos uma vez, apenas ilustrar o que foi igualmente narrado, o filme empobrece com essas passagens do roteiro por um lado e deixa de enriquecer seus conflitos por outro. A mensagem antimachista do filme também se explicita demais (o que talvez seja indicado pela mão masculina na direção) e, de todas as cenas da juventude do casal, talvez nenhuma seja mais gratuita que a que conta com a presença de Elizabeth McGovern, sublinhando com marca-texto os temas do filme.

Além de lhe faltar sutileza para a condução de sua principal mensagem, Runge não aproveita a contento o portentoso elenco que escalou. Os planos são secos, com uma montagem que tira qualquer nuance pretendida e enfeia o filme, além de uma luz insidiosa que joga todo o material numa proposta novelesca de filmar. Se na narrativa o charme está presente, na condução ele simplesmente inexiste, um trabalho burocrático que ao menos tem um trunfo no já citado elenco, que não faz milagre mas que transforma a sua parte da manufatura em ponto quase único de observação — mesmo que o diretor os corte em seus momentos de maior intensidade. 

Mas embora as presenças de Max Irons (em personagem muito ingrato, que ele tenta construir longe do estereótipo) e Christian Slater sejam intensas e marcantes, os donos do show são Jonathan Pryce e, mais precisamente, Glenn Close. É linda a simbiose que nasce em cena, ele mais propositadamente pavoneado e ela, uma gigante da contenção; do equilíbrio entre esses elementos chega até o público uma relação crível em seu desgaste imperceptível aos olhos do homem. Ambos atores muito mal aproveitados pela indústria, ambos têm momentos muito especiais alcançados aqui através dessa troca entre quem expõe e quem suprime. A melhor cena do filme é o esperado clímax entre o casal que acaba com os papéis trocados: ela finalmente mostrando toda sua força reprimida e ele revelando seu lugar minúsculo.

No último domingo, Glenn fez da entrega do Globo de Ouro o palco de um discurso que o próprio filme abre, coroando sua atuação inteligente ao sair vencedora de uma competição onde sobrava com seu magnetismo natural. Uma atriz infinitamente superior a seus últimos veículos, dona de pelo menos duas atuações icônicas da História do Cinema (Alex Forrest e Madame de Merteuil), mas presa pelo machismo estrutural a filmes cuja sua presença é o pilar de sustentação dos projetos, ao contrário de seus pares. Se quase 40 anos depois de sua primeira indicação só agora a indústria tenha espaço para iluminá-la, é um atestado muito mais da inoperância da indústria que de culpa de uma atriz superlativa como Glenn, que mais uma vez faz crescer um projeto. 

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