Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Documentário sobre o período militante do casal John e Yoko e seus problemas com o governo norte-americano.

6,0

É uma enorme falha na formação pop de qualquer indíviduo desconhecer a força do nome John Lennon e, por consequência, o barulho promovido pela mídia ao redor de sua união com a artista plástica Yoko Ono. Acredito seja até impossível não esbarrar com eles mesmo em alguma referência secudária, seja num seriado de TV, na trilha de um filme ou na camiseta do cara ao seu lado. Apesar dos nomes e rostos conhecidos, a história já nos afastou bastante do tempo em que este casal  transformou-se em uma referência mundialmente conhecida.

Quando Lennon e Ono se conheceram ele já era um ícone da música pop. Embalado pelo enorme sucesso e histeria ligada aos Beatles, uma das primeiras bandas a obter sucesso a nível mundial e como tal, a alterar diversos parâmetros comerciais e representativos associados a uma banda de rock, John já havia acumulado prestígio e atenção suficientes para protagonizar diversos episódios polêmicos com a opinião pública através do sensacionalismo dos meios de comunicação de massa. O documentário de David Leaf e John Scheinfeld faz uma pequena cronologia desses episódios, começando pela famosa declaração de John, que no auge do sucesso dos Beatles afirmou em tom de  piada que eles seriam mais famosos que Jesus. E, por mais medieval que pareça, os Beatles podem  contabilizar mais este grande feito: terem sido – metaforicamente – queimados em fogueiras de discos e fotografias por vários cristãos ofendidos com esta blasfemia.

O esquema montado pela narrativa é tendencioso e nos leva a acreditar na natureza rebelde de John, especulando sobre a formação de seu caráter e colocando a ausência dos pais como um dos ingredientes de seu comportamento contestador. O certo é que ele, apesar de ter se tornado famoso bem jovem, sempre teve uma resposta irônica na ponta da língua a cada tentativa da imprensa em diminur ou ridicularizar suas atitudes, e através desse exercício de retórica foi aprendendo a tirar proveito dos efeitos da fama.

Yoko, por sua vez, era uma artista reconhecida no circuito alternativo do eixo Londres-Nova Iorque e suas ações estavam ligadas ao movimento Fluxus (que abrigava, entre outros, o famoso músico John Cage) e Lennon parece ter se encantado com a possibilidade de que aquela mulher juntasse suas idéias as dele, agregando novas nuances a seu discurso artístico.

Juntos desenvolveram várias ações e performances que, ao mesmo tempo em que alimentavam fofocas e perseguições moralistas, se aproveitavam do próprio hype do ex-beatle para amplificar sua mensagem. Em meio aos protestos sobre os absurdos da Guerra do Vietnã – cuja duração (1959-1975) causou grande rejeição popular ao governo norte-americano e sua política intervencionista –, o casal Lennon usou o pacifismo como arma e surpreendeu o mundo ao fazer de sua própria lua de mel um espetáculo sobre a paz: no conhecido Bed In em que recebiam repórteres e fãs em quartos de hotel pelo mundo, usando pijamas e deitados na cama.

A canção-tema do Bed In, Give Peace a Chance, foi gravada neste contexto e tornou-se hino dos protestos contra a guerra. De repente, o casal Lennon se viu assediado por várias personalidades artísticas e mesmo políticas que se entusiasmaram com esta nova maneira de agir politicamente, através da relação com a mídia.

É neste contexto de provocações que John e Yoko mudam-se para Nova Iorque, considerado o epicentro artístico do mundo ocidental àquela altura. Em breve eles estariam envolvidos nos concertos promovidos contra a guerra e em eventos contraculturias de todas as espécies, seja pela afirmação dos direitos políticos dos negros e das mulheres, seja em shows de protesto contra a prisão arbitrária de um ativista. Alimentando o debate crítico sobre a permanência dos EUA na Guerra do Vietnã, Lennon tocou na ferida do congresso norte-americano e foi julgado por sua condição de estrangeiro que usufruia dos benefícios da potência imperialista, enquanto desmoralizava seus líderes políticos.

No documentário, Gore Vidal, Noam Chomsky, Tariq Ali e ativistas que estiveram envolvidos na prática com os protestos ao governo de Richard Nixon analisam a participação de John e Yoko no conflito ideológico da época e contam suas experiências particulares. Para o casal a principal consequência de suas atitudes pacifistas taxadas publicamente de bobas ou nonsense (como que para diminuir a importância destas idéias) culminam com um processo de extradição empetrado pelo departamento de imigração que se arrasta como uma novela por quase dois anos, até o conhecido escândalo Watergate afastar Nixon do poder.

Apesar de vários depoimentos darem conta da verdadeira e burocrática perseguição ao casal, com direito a telefone grampeado e tudo mais, o filme não entra em discussões maiores sobre o assassinato de John Lennon ter sido provocado em consequência da força de sua fala política.O documentário apresenta imagens pouco conhecidas do casal neste período, bem como várias entrevistas de ambos durante e após o episódio de extradição, intercalado a falas públicas dos presidentes americanos da época e depoimentos coletados especialmente para a produção.

Portanto, é possível notar que não há nada cinematograficamente novo na maneira como este documentário é conduzido. No entanto, tirar a poeira de cima desta faceta de um dos casais mais populares da sociedade do espetáculo é válido para, no mínimo, repensarmos as diversas encenações a que algumas celebridades atuais se prestam na tentativa de parecerem politizadas, quando é óbvio que a elas falta conteúdo suficiente até para fazer do ativismo trapolim para suas carreiras. Vale também para sonharmos com artistas comprometidos que gastem um tanto de suas inteligências com algo mais que letras ou filmes rebuscados.

Comentários (0)

Faça login para comentar.