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Críticas

Cineplayers

Embalagem cor de rosa para travestir os problemas.

3,5
Theodore Melfi não é jovem, mas praticamente está começando agora. Em seu terceiro longa (o primeiro faz quase 20 anos), é possível ver uma comunicação entre esse novo filme e o anterior Um Santo Vizinho, produção que foi badalada pelas atuações espetaculares de Bill Murray, Naomi Watts e Melissa McCarthy, e de feitura em ritmo de 'dramédia', acabando por emocionar realmente depois de tantas risadas. Essa leveza no ritmo está também presente nesse novo, mas se o clima é leve, os propósitos já não o são. Ainda que muito bem disfarçado, o teor desse atual sucesso do circuito americano não tem nada de inocente ou despretensioso como muitos poderiam imaginar. Ledo engano. Tem uma estrutura pré-fabricada em Estrelas... muito clara desde suas cenas de abertura, de ar artificial em relação a proposta. Mas temos que ter consciência de que esse é um produto de massa, pensado para consumo gigante e que por isso mesmo teria pouca ou nenhuma sutileza. 

Como Melfi é diretor, produtor e roteirista do filme (as duas atividades seguintes assinadas com outros e outras), imaginamos que ele tenha gerência sobre o resultado final, bem menos equilibrado que seu filme anterior. O que há aqui é um produto de larga escala, padrão, pensado para não incomodar ou entristecer, mas para colocar um mínimo de reflexão, o suficiente para que possamos encontrar relevância a um produto destinado a toda e qualquer família americana. Para isso, o filme é todo sem contra indicação, todo trabalhado em cima da sugestão. 

Por incrível que pareça, isso é bastante positivo. Contando uma história real que mostra o desdobramento de três mulheres negras que trabalharam na NASA nos anos 60 e 70 e que sofreram toda sorte de preconceito por lá (implícito e explícito), fica claro desde o início o caráter "censura livre" do projeto. Isso se traduz na palheta de cores do filmes, toda sempre muito clara e viva, em figurinos quase sempre de colorido chamativo e na maior parte das vezes eficiente (tirando a infantilização visual ao qual é submetida a personagem de Taraji P. Henson). 

O tanto que parece ambicionar uma posição de respeito dentro de uma seara social que luta contra o racismo e o machismo institucionalizados em grandes corporações e durante um período complexo da história, Estrelas... está muito satisfeito nessa realidade colorida e repleta de leveza sobre um tema nada leve. Em nome dessa amenização, o filme transforma constrangimento em graça quando uma de suas protagonistas precisa andar quarenta minutos indo e voltando do banheiro quando sente vontade, porque o banheiro restrito a negros fica muito longe. Como esse bloco de cenas é resolvido? Com uma trilha incidental cômica, rasurando uma questão grave e diminuindo seu peso. Esse é um dos momentos onde percebemos que a abordagem que planeja alcançar mais público e aprovação, é a da facilidade e do resumo da argumentação. Em tempos onde todos têm um viés para problematizar, o filme escolhe amenizar.

O desenho das personagens também não é acertado. Enquanto o foco do filme é de excessiva preocupação com a personagem de Taraji, é a personagem de Octavia Spencer o elo fraco. Na ânsia de falar sobre tantos assuntos, o filme dá a ela uma roupagem de esteio do trio, mulher séria e dedicada ao emprego há anos sem nunca ser devidamente reconhecida, em busca de uma promoção que nunca vem. Nesse esquema, o filme esquece que aquela personagem tem uma família e apresenta (e na mesma cena que o faz, os tira de cena) seus filhos e marido quase como uma rubrica, o que depõe contra a natureza familiar da própria personagem. A terceira personagem, vivida pela revelação Janelle Monae, é a melhor defendida, mas sofre com a típica 'montagem Rocky', com uma música tocada ao fundo enquanto ela desempenha tarefas em ritmo de clipe, e isso acontece mais de uma vez. As três tem carisma e química inclusive com o restante do elenco (entre eles um inspirado Kevin Costner), mas nenhuma delas tem exatamente um momento de brilho ou necessariamente marcante. Algumas passagens rápidas se valem mais dos talentos individuais do que realmente o filme consegue criar cenas para elas. 

No ímpeto de diminuir o conteúdo explosivo, o filme consegue eventualmente criar belos momentos de silêncio, praticamente todos envolvendo a personagem de Taraji e sua nova colocação dentro da NASA, onde o racismo estava a toda como no país inteiro mas que precisava não ser declarado, o que rende essas situações positivas de dramaturgia. Além disso, a situação da corrida espacial também tem um realce significativo frente ao todo, mostrando como aquelas mulheres foram de fato cruciais para John Glenn e cia. naquelas duas décadas, ou mais. Ou seja, uma história poderosa e importante que mais uma vez é reduzida a um edulcorado retrato desprovido de impacto mas entulhado de frases de efeito, lágrimas compungidas e agradecimentos tardios, num mundo todo muito cor de rosa demais para fazer sentido ao estrago que o preconceito promoveu, tudo embalado no produto quadrado de sempre, apinhado de correrias e furos de roteiro, mas que passarão despercebido por quem só quiser suspirar com mulheres inspiradoras, mas que mais uma vez mereciam um filme superior. 

Comentários (3)

Matheus Johan Darswik Rodrigues Barbosa | sexta-feira, 03 de Fevereiro de 2017 - 14:56

Apesar da crítica ser excelente e muito bem escrita,eu discordo,o filme tem suas qualidades e por sinal,é uma ótima obra cinematográfica.

Liliane Coelho | terça-feira, 07 de Fevereiro de 2017 - 16:55

Discordo da nota. O filme é excelente e inspirador.

Alexandre Marcello de Figueiredo | domingo, 21 de Maio de 2017 - 19:53

O filme não tirou de mim a admiração pelo trabalho das 3 mulheres abordadas. O racismo da época era muito pior que hoje.

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