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Ainda não foi desta vez.

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O recente Missão Madrinha de Casamento (Bridesmaids, 2011) tem despertado a atenção da crítica e do público por fazer parte do grupo de sacanas e desbocadas comédias estadunidenses que estão redimensionando o gênero atualmente. O foco é um grupo de mulheres que assumem atitudes que já foram essencialmente típicas das personagens masculinas. Ao contrário do que pensam alguns, esse cinema boca suja e sem rédeas aparentes está longe de ser um problema. Um fruto desse processo supracitado, que remodela os chavões dos gêneros há muito consagrados no cinema – como as comédias que tratam do mundo nerd e adolescente –, é Superbad – É Hoje (Superbad, 2007), trabalho de raras virtudes dirigido por Greg Mottola que funciona como veículo de uma exposição sexual juvenil bem mais elevada que em outros filmes semelhantes. Essa tentativa de romper com o lugar-comum, ao passo que atrai um público outrora distante, afasta algumas pessoas já acostumadas ao antigo padrão, que é muito mais genérico na maioria dos casos.  

Eu Queria Ter a Sua Vida (The Change-Up, 2011), longa dirigido por David Dobkin, de Penetras Bons de Bico (Wedding Crahers, 2005), e roteirizado por Jon Lucas e Scott Moore, de Se Beber, Não Case (The Hangover, 2009), segue um modelo que sempre esteve entre os dominantes nos últimos anos: aquele em que ocorre uma troca de corpos entre personagens. A esse vasto conjunto de filmes de humor atravessados por tal condição supranatural pertencem Garota Veneno (Hot Chick, 2002), Sexta-Feira Muito Louca (Freaky Fryday, 2003) e o brasileiro Se Eu Fosse Você  (idem, 2006) – obras pueris que não chegam a ter boa fama.

Os personagens centrais de Eu Queria Ter a Sua Vida são os amigos Dave (Jason Bateman) e Mitch (Ryan Reynolds). O primeiro, além de ser o típico pai de família dedicado, é um advogado bem sucedido que está trabalhando em um grande negócio; o segundo, um solteirão que leva uma vida destrambelhada e promíscua. Certa noite, enquanto urinavam em uma fonte mágica, os dois acabam (sem querer) desejando trocar suas vidas entre si. No dia seguinte, percebem-se um no corpo do outro. A pergunta que paira é: como desenvolver um projeto tão banal, limitado e já inteiramente dissecado pelos antecessores? Resposta: escrachando e utilizando os elementos torpes tão caros ao atual momento.

Uma grande cartada dos filmes que pertencem à “família” deste de David Dobkin é poder usar o absurdo imanente à situação para garantir o bom ritmo. Afinal de contas, estar dentro da carcaça de alguém é um prato cheio para a ocorrência de diversas e constantes situações embaraçosas, como a da cena em que Mitch (no corpo de Dave) tem de cantar uma música que desconhece durante um jantar em família. Isso traz à mente um dos magistrais momentos de Superbad – É Hoje: aquele em que Evan, personagem de Michael Cera, tem de improvisar uma canção depois de ser confundido com outro cara. Isso exige bastante dos atores presentes.

O vigor do qual ainda dispõe este trabalho, contudo, é quase que inteiramente oriundo da incidência de palavras de baixo calão, cenas que de alguma forma envolvem sexo e momentos escabrosos. Seus atrativos principais são, em suma, as escrotidões, que, para piorar, pouco a pouco vão perdendo terreno para algumas pieguices. Composições dessa natureza que conseguem extrair bons momentos da total sacanagem podem ser bastante eficazes, justamente por subverterem os padrões dos filmes mais superficiais, que quase sempre ganham certo retorno por conta da laboriosa divulgação, mas que na realidade são verdadeiras e intermináveis chateações. É perceptível que Eu Queria Ter a Sua Vida não conseguiu fugir muito daquilo que é oferecido pelos seus pares. Talvez o humor de Dobkin não tenha a mesma fluidez e naturalidade do de Greg Mottola ou dos irmãos Farrelly.

Rir, aqui, não é tarefa tão fácil, principalmente durante os 30 minutos finais, que são substancialmente piores. Esse tipo de filme carrega, como uma de suas características recorrentes, uma moral bem embalada, advinda da necessidade de apontar para os problemas comuns à vida em família. São indispensáveis, portanto, as cenas em que determinada personagem, pelo fato de habitar naquele instante um corpo que não é seu, acaba descobrindo o que os mais próximos realmente pensam a seu respeito. Também são comuns os desabafos, como o da mulher de Dave depois tantos furos que ela julga terem sido cometidos pelo marido. Dobkin, por fim, acaba atraiçoando suas personagens, principalmente o malandro Mitch – cuja identidade vai se esfarelando nas cenas derradeiras para que se efetue o happy end, a prova final da existência de embustes em muitos filmes que ganham fama de subversivos, mas que, explicitamente, se entregam ao que está escrito no códex do gênero. Não é bom ter de viver uma odisseia para, ao final das contas, ficar chupando dedo. Tudo tem de dar certo, acabar perfeitamente bem, sem arestas que apontem para qualquer traço de infortúnio. Essa é a regra. Evidentemente, desde que não seja necessário sabotar tudo que fora até então desenvolvido, semelhantes epílogos nem sempre se configuram em coisas ruinosas. Mas não foi o que aconteceu na história de Dave e Mitch, infelizmente. Diante disso, só posso concluir que ainda não foi desta vez.

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