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Críticas

Cineplayers

O bem-comportado cinema francês.

6,0

É uma pena que o francês Pierre Schöller entregue o melhor de O Exercício do Poder (L'exercice de l'État, 2011) logo em sua cena de abertura, não apresentando dali em diante nada que justifique o impacto que esse começo instiga. A sequência é bastante alegórica (uma mulher nua em direção a um crocodilo que a devora), presente em um sonho erótico do ministro dos transportes da França, Bertrand Saint Jean (Olivier Gourmet, intérprete recorrente na filmografia dos irmãos Dardenne), interrompido no meio da madrugada por um telefonema avisando de um acidente com um ônibus cheio de crianças caindo numa ribanceira. A cena do sonho é muito forte por si mesma, como poder de imagem, e sem ser visualmente exagerada parece ao mesmo tempo possuir um sentimento de direção. Conceitualmente, funcionaria como se quisesse dizer que depois disso o personagem despojado até a alma será engolido por uma força muito maior (como a prática antropofágica do Estado), porém infelizmente o filme é correto em demasia, direto demais em sua proposta, abrindo mão de um bocado de surto ou porra-louquice estética que lhe teriam feito muito bem.

Por um momento O Exercício do Poder parece sugerir que caminhará rumo a um thriller político como o hollywoodiano Margin Call – O Dia Antes do Fim (Margin Call, 2011) − no caso, trocando as intrigas corporativistas pelos problemas de Estado no filme francês −, que além de bem mais eficaz em seu desenvolvimento, se beneficiava muito com a entrada em cena de um Jeremy Irons a colocar em curto muito da estrutura burocrática que o filme refletia. Já o filme de Schöller se apoia demais na presença de Saint Jean (uma figura simpática, mas sem força para sustentar por si só um projeto), cuja caracterização propositalmente patética reforça o tom cômico que o diretor pretende dar ao filme (como que só com o desastre o personagem compreenda a dimensão do cargo que ocupa), mas não é o suficiente para ajudar a elevá-lo acima da média de um determinado número de filmes franceses que com suas embalagens bonitinhas entregam produtos pouco mais que pueris ou que mal valem a sessão.

Schöller é competente demais para fazer um filme ruim e ousado de menos para entregar um realmente interessante. Cinema de qualidade com uma pitada falsa de cinema de autor, o que sempre existirá graças a filmes como esse. Um cinema que tem por objetivo agradar o público mais amplo de pessoas de bom gosto, passando longe de qualquer perigo de espantar o gosto médio massacrante de uma relativa maioria entre nichos mais cinéfilos. A política só está presente em seu conteúdo, nunca na forma, nas opções estéticas para retratar as suas relações de poder (o efeito cênico mais inesperado é a discutível escolha de mostrar parte da lista de contatos da agenda do celular do ministro sobreposta na tela quando ele reclama ao seu motorista "quatro mil contatos na agenda e nenhum amigo").

O personagem do ministro deve lutar por suas convicções e contra os seus oponentes, em meio às pressões impostas pelos que defendem as privatizações das estações ferroviárias do país, o acúmulo de tarefas que após o desastre nacional lhe tomam todo o tempo de sua rotina de trabalho e vida pessoal (que acaba incluindo visitas a casa de seu motorista e por um interesse pela namorada dele). Menos jogos de poder do que a representação de esferas privadas encenadas como espetáculos políticos. Como drama íntimo e político, O Exercício do Poder permanece muito distante da verve e do gênio de um O Crocodilo (Il Caimano, 2006) ou de outras obras de Nanni Moretti, por vezes parecendo o equivalente "sério" de algumas comédias inofensivas e simpáticas do recente cinema francês como A Riviera Não é Aqui (Bienvenue chez les Ch'tis, 2008) e Potiche: Esposa Troféu (Potiche, 2010), com a sua relevância existindo toda em seu conteúdo. Fora dele, a insignificância é quase a mesma.

Comentários (2)

Adriano Augusto dos Santos | quarta-feira, 15 de Agosto de 2012 - 10:11

Eu pessoalmente cansei de filmes dessa temática.Olhando esse me parece tão desanimado.

Vinícius Aranha | quarta-feira, 15 de Agosto de 2012 - 16:42

O filme vem recebendo ótimas críticas, e me atraiu muito pelo que comentam sobre a cena inicial, mas esse texto desanima, já que filmes bem comportados sobre esse tema já têm demais (Tudo pelo Poder, inclusive, tbm recebeu ótimas críticas). Ainda assim, verei.

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