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Críticas

Cineplayers

A masculinidade no debut de Polanski.

8,0
Há uma tensão crescente em Faca na Água, totalmente consistente com o que seu diretor, Roman Polanski, produziu ao longo das décadas posteriores ao lançamento de seu primeiro filme. Os personagens são, de início, figuras desfocadas vistas como que de longe, e pouco a pouco suas ações e falas dão corpo e alma para cada um deles.

São três os personagens: Andrzej e sua esposa Krystyna, e o jovem caroneiro de 19 anos. Desde o princípio há uma tensão faiscante entre Andrzej e o jovem caroneiro. Embora o motivo para essa tensão se deflagrar não seja cem por cento claro, há algumas sugestões: os olhares desejosos do jovem para Krystyna podem ter causado ciúmes em Andrzej; ou o desejo entre e jovem e Andrzej da idade um do outro.

A questão geracional é especialmente marcante neste debut de Roman Polanski. O homem mais velho, marcado pela virilidade, pela casca dura mesmo, recebe o garoto com extrema hostilidade, especialmente no estilo de vida do jovem, pautado pela liberdade e pelo desejo de experiências concretas com o mundo. E o jovem, similarmente, percebe o Andrzej como entediante e conformista.

Diante do ruído provocado pela hostilidade entre os dois homens, Faca na Água oferece uma crescente de tensão articulada por Polanski em três frentes: o espaço, os atores e a mise en scène, esta última naturalmente relacionada às duas primeiras.

O espaço: um pequeno barco de passeio em alto mar. Então, os três personagens inseridos nesse espaço. E o jogo de câmeras do diretor, cadenciado e expressivo. Enquanto os atores falam, a câmera acompanha, hora com atenção e hora com um certo desvio de atenção, como se dissesse alguma coisa. Alguns close-ups são especialmente sugestivos afim de anteciparem ou ressaltarem certos aspectos que dizem respeito à relação estabelecida principalmente pelos dois personagens masculinos da história.

Assim como o barco balança sobre as ondas, a sobrevivência dos homens está posta em jogo. Talvez não de forma concreta, mas há definitivamente um poder de sugestão imposto pelos planos da fotografia que registram ambos quase sempre nas regiões limítrofes da embarcação, com a água muito próxima, pronto para abocanhá-los ao menor sinal de desatenção.

Naturalmente esse jogo de sobrevivência acontece em razão da rivalidade inflamada que os homens têm um contra o outro. Enquanto Andrzej esnoba o jovem mostrando ter controle do barco e conhecimento sobre a vida marítima, o jovem oferece simples presentes para Krystyna e ostenta com destreza e em tom ameaçador uma adaga afiada que trazia na mochila.

Diante das demonstrações de perícia que cada homem realiza, o resultado é o desprezo de cada par e ao mesmo tempo um desejo recalcado de realizar tal demonstração. O jovem caroneiro tenta, em vão, comandar o barco, e Andrzej tenta, sem sucesso, operar a adaga.

Diante disso, temos a concretização daquilo que parece ser a grande articulação discursiva de Faca na Água: Andrzej e o jovem caroneiro desejam ser o outro. O jovem inveja a força e sabedoria do mais velho; Andrzej, inveja a inconsequência e o ímpeto do caroneiro. No meio desse fogo cruzado freudiano, Krystyna, a mulher, observa tudo com uma aparente perplexidade.

Krystyna enxerga a fragilidade espiritual dos homens a quem tem como companhia na embarcação. Procura manter-se distante e alienada da mesquinharia que assiste, com sucesso durante boa parte do filme. No terceiro ato, ela finalmente tem participação mais ativa na relação, que passa de uma linha (Andrzej e o jovem caroneiro) para tornar-se um triângulo (agora com a inclusão de Krystyna).

O que resulta em termos dramáticos daí é um grande elogio à condição de Krystyna enquanto mulher, que embora possua grande força dentro de si, se rebaixa por diversas vezes diante do marido, para investi-lo de força e poder, por acreditar que esse é o papel que ela, como esposa, deve cumprir.

O retrato pintado por Polanski em seu primeiro filme (em colaboração com o roteirista Jerzy Skolimowski, que viria a dirigir excelentes filmes sobre papéis de gênero mais tarde) representa uma masculinidade imponente e segura nas aparências, porém erguida num psicológico frágil. É mais ou menos como sugere a imagem de uma faca na água: a lâmina afiada sugere a violência do corte, mas os efeitos práticos são inofensivos e irrisórios.

Comentários (4)

Rafael Rodrigues Mangueira | domingo, 06 de Dezembro de 2015 - 10:23

Sendo esse o debut do Polanski, ele já demostrava talento pra criar tensão e conduzir um bom filme.

Josiel Oliveira | segunda-feira, 24 de Outubro de 2016 - 14:30

Bela crítica. Vimos o mesmo filme!

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