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Felicidade Não Se Compra, A

(It's a Wonderful Life, 1946)
8,9
Média
908 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Mesmo com quase 60 anos de existência, é um dos mais belos filmes já feitos. Clássico natalino de Frank Capra.

9,0

A Felicidade Não Se Compra é o tipo de filme que conseguiu sobreviver com o passar dos anos. Mais que isso, é o tipo de clássico que ficou ainda melhor com a idade, pelo seu visionário conteúdo que o tornou um dos mais belos filmes já feitos. Não que ele seja de fortes conflitos, tensão dramática constante ou recheado de cenas para fazer chorar. É o tipo que acerta nos conceitos mais básicos que todo ser humano deveria ter: compaixão, solidariedade, amor verdadeiro, honestidade... Claro que pode ser visto meio de modo "bobo" por alguns, mas é impressionante o fato de um filme de 1946 falar sobre a ganância do ser humano e valores da vida e ver que isso se mantém até hoje, e numa escala ainda pior.

George Bailey (James Stewart, de Janela Indiscreta e Um Corpo Que Cai) é um jovem que sonha em crescer na vida e ajudar o mundo a ser melhor. Desde pequeno, sempre foi de fazer boas ações, como quando impediu que o farmacêutico – e também seu chefe – trocasse o remédio de uma criança por veneno acidentalmente. O menino cresceu e com ele sua vontade de vencer na vida também ficou maior. George nunca teve intenção de manter a firma de seu pai, um banco "diferente" dos padrões: era feito para ajudar as pessoas que necessitavam de dinheiro para melhorar sua vida, mas sem cobrar os tradicionais juros no pagamento, isso quando ele era feito. George sempre quis mais que isso, e a história do filme nos apresenta diversas cenas que demonstram esse lado benéfico de George, mesmo que por tantas vezes ele quis negar.

Em certo momento de sua vida, George tenta se matar, e é nesse ponto que o filme aproveita para discutir seus temas: o que é melhor, ter muitos amigos ou se aproveitar das pessoas por causa do capitalismo e faturar em cima de seus sonhos? Será que nossas ações passam despercebidas por Ele lá em cima? Será que quando encontramos um amor de verdade devemos embarcar nele ou deixá-lo para trás com medo do futuro? São temas discutidos de uma maneira diferente. Ao invés de termos um aprofundamento claro durante as cenas, elas simplesmente vão acontecendo e você vai absorvendo suas intenções mesmo que inconscientemente. Ao final, você já está emocionado com tudo o que passou na vida de George, e a mágica do filme está na ligação que você faz entre a vida desse personagem fictício com a sua vida real.

Isso fica reforçado pelo excelente roteiro, que apresenta diversos argumentos sobre uma felicidade que o dinheiro simplesmente não pode comprar – e aí entra uma tradução perfeita para o título "It’s a Wonderful Life", que apesar de não ser exata ou literal, encaixa-se perfeitamente na idéia que o filme quer discutir. É tudo tão ligado que você tem gosto de lembrar cenas que aconteceram anteriormente, e que pareciam ser desnecessárias para o desenvolvimento da história. Isso acontece quando o anjo desce à Terra e atende ao pedido de George de nunca ter nascido. Ao mesmo tempo em que ele reflete como seria a vida se ele não existisse, automaticamente o roteiro nos força a passar pelo mesmo pensamento, mas sem passar pela mesma situação. É um filme tão perfeito que é copiado até hoje pelos mais diversos filmes que tentam abordar os mesmos temas.

Sua falsa simplicidade na construção das cenas fica para trás quando o filme termina e vemos o quanto elas são complexas por permanecerem tanto tempo em nossas cabeças. Você lembrará de ter sorrido com a clássica cena em que o chão do ginásio se abre e todos os formandos que estavam no baile de formatura caem dentro da piscina; você se lembrará do romantismo nas cenas em que George e Mary Hatch estavam passeando sob a luz do luar e se conhecendo, como a maioria das pessoas sempre quis fazer; você vai se emocionar ao ver que todos os amigos estão lá, ao nosso lado, quando realmente precisamos.

Pode parecer que estou falando demais sobre o filme, contando demais as coisas que acontecem nele, mas não se engane, esse é o tipo de clássico formador de clichês. Ou seja, tudo que estou falando e que provavelmente você já viu em outro filme, você verá aqui também – e outros já viram antes – só que a graça não é saber o que acontece, e sim sentir todo o clima que A Felicidade Não Se Compra tem a oferecer. Isso só é possível graças ao trabalho espantoso que Frank Capra fez em sua direção. Um ousado filme que não tem nada de ousado em suas doces cenas, e sim considerando sua ternura apenas um ano depois do mundo ter praticamente se acabado com a Segunda Guerra Mundial.

James Stewart, que já havia trabalhado com Frank em A Mulher Faz o Homem, mostra o seu brilhantismo de sempre, oferecendo tudo o que George exigia na construção de seu personagem (aqueles sentimentos que eu citei antes). O curioso é que quase James não interpretou o papel, pois queria descansar da guerra em que havia acabado de lutar, mas após muita insistência de Frank, ele aceitou o papel. Sua companheira de cena é Donna Reed, que faz o papel da mulher "também perfeita" de George, compreensiva, amorosa e companheira em todas as situações. O trabalho e a química entre os dois são tão bons que, se não funcionassem dessa maneira, aí sim o filme poderia cair na banalidade e parecer uma lição de moral boba e superficial – justamente o ponto onde a maioria dos filmes naufraga.

Com toda essa inocência terna e sincera, A Felicidade Não Se Compra é até hoje um dos mais belos filmes do mundo, pois trata de temas importantes com simplicidade e de maneira tocante sem nunca parecer piegas ou infantil. Seus personagens perfeitos não caem na chatice ou na antipatia, e sim funcionam como o perfeito exemplo de como uma boa pessoa pode ser. Em um mundo capitalista de como era o de 1946, pós-crise de 1929 e o início da reconstrução após a Segunda Guerra Mundial, devíamos refletir em pleno século XXI sobre o que Capra queria nos dizer naquele tempo, sobre os verdadeiros valores da vida. Até hoje o filme é assistido, mas parece que ainda não aprendemos a lição.

Comentários (1)

Samuel Nascimento | sexta-feira, 30 de Novembro de 2012 - 00:57

O melhor filme que eu vi em toda minha vida. Otimo texto!

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