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A procura de um Deus no inferno.

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Um costume muito comum que percebi ao morar por três anos no exterior é como os americanos gostam de classificar filmes de maneiras que os colocam dentro de uma caixa, usando termos supérfluos para justificar características complexas. Semiótica, linguagem cinematográfica, diegese - esses termos aqui não existem, fazendo com que projetos como O Filho de Saul (Saul fia, 2015) apareçam em lugares suspeitos como o Santa Fe Jewish Film Festival, lugar onde tive a oportunidade de assisti-lo. Apesar da ótima recepção em Cannes e ser de fato um filme sobre um judeu, não pude deixar de pensar em como na verdade ele coloca a religião como um obstáculo perante à sobrevivência numa condição tão extrema. Ainda que filmes sobre o holocausto sejam, de um jeito ou de outro, sobre judeus, O Filho de Saul não apenas discute questões mais delicadas, como também possui uma força imagética fortíssima que não se trata apenas de seu tema, mas também de sua forma e linguagem cinematográfica únicas.

Ele inicia fora de foco, onde o personagem Saul se aproxima da tela e o acompanhamos até as câmeras de gás, onde ele leva diversos judeus como ele à morte. Saul faz parte do Sonderkommando, uma unidade de trabalho dentro do campo de concentração formada por judeus que são obrigados a cuidar do funcionamento das câmeras de gás e de suas vítimas. Nesse cenário, Saul encontra o corpo de uma criança que o toma por ser seu filho e decide enterrá-lo com respeito, iniciando a procura por um rabbi, professor de Torah que realiza funerais.

Com um formato de tela 4:3, o filme inteiro se passa em close-ups, onde a tela inteira é preenchida com o rosto ou as costas de Saul enquanto ele realiza suas tarefas, provocando uma sensação extremamente claustrofóbica. Ainda que a decisão de abordar tal técnica seja interessante, acaba ficando um pouco confuso por nós não sabermos exatamente o que está acontecendo ao redor do personagem - uma característica que apesar de ser proposital, acaba pesando um pouco devido à extrema violência e o caos que acontece ao redor de Saul e as situações em que ele se encontra. Sem contar que a segunda trama do filme, que gira em torno dos próprios prisioneiros planejando uma rebelião no campo de concentração, não é muito bem esclarecida.

Graças a estas duas tramas, vamos ao assunto do primeiro parágrafo que fala sobre o fato de um filme como O Filho de Saul ser apresentado num festival de filmes judaicos. Ao contrário da maioria dos trabalhos que se importam em mostrar o horror do holocausto, O Filho de Saul se preocupa mais em mostrar a história deste homem, que faz tudo contra o seu poder para conseguir enterrar esta criança que ele diz ser seu filho - algo que nunca sabemos com certeza, pois a questão nunca é respondida, principalmente por um dos companheiros de Saul dizer a ele que nunca teve um filho. Sua motivação vem nada mais do que de sua fé, que é tão convincente para ele que chega a custar a vida de diversas pessoas a sua volta, fazendo-nos questionar o que é certo e o que é errado dentro de uma condição tão extrema quanto aquela.

Obviamente, O Filho de Saul não é um filme religioso. A obra consegue quase ser de terror, onde apesar de estar fora de foco, conseguimos ver corpos nus sendo arrastados e queimados no plano de fundo. Uma característica não só interessante, mas também proposital, ao levar em conta que Saul está ignorando todo o ambiente a sua volta para conseguir o que quer, que é arranjar um rabbi para enterrar essa criança. Tais elementos nos remetem muito a Vá e Veja (Idi i smotri, 1985), porém um pouco menos gráficos. Ainda sim, O Filho de Saul consegue ser um filme muito pesado, tendo uma introdução extremamente chocante.

Claustrofóbico, realista, chocante e original, O Filho de Saul é um dos poucos filmes de 2015 que empurram as barreiras convencionais de se fazer cinema ao se preocupar em realizar uma experiência que cause uma reação no espectador não só por sua história, mas também por seu formato. O resultado é no mínimo perturbador e seu chocante final nos leva a questionar morais religiosas - o que acredito não ser o propósito do filme, mas sim, um dos charmes que fazem desta obra ser um dos melhores filmes do ano.

Comentários (2)

Eduardo Duarte | sexta-feira, 12 de Fevereiro de 2016 - 20:25

O texto parece estar falando mal do filme e de repente surge a frase de que é o melhor do ano.

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