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Críticas

Cineplayers

Política, economia e vice-versa.

8,5

Setembro foi o mês dos excepcionais Tropicália (idem, 2011) e Histórias Que Contamos – Minha Família (Stories We Tell, 2012), tornando enfadonhos o esforçado Pablo (idem, 2012) e o preguiçoso Michael Jackson – Bad 25 (idem, 2012) – tendo este o formato de um programa do Entertainment Television, levado ao cinema unicamente por tratar-se de um novo filme de Spike Lee. Embora estruturalmente convencional como estes documentários citados, Filhos das Nuvens – A Ultima Colônia (Hijos de las nubes, la última colonia, 2012) se enquadra na primeira categoria pelo teor de sua temática, explorada num corajoso tom de denúncia durante a projeção.

O documentário posiciona o início do drama sofrido pelo Saara Ocidental em 1975, quando o ardiloso rei Hassan II invocou direitos históricos para anexação do território ao Marrocos e determinou a partida dos colonizadores espanhóis, o fim do pacífico Saara Espanhol. A máscara patriótica dessa reivindicação escusa caiu em pouco tempo, quando o desprezo do Reino de Marrocos pelos nativos redundou numa série de abusos gratuitos aos saarauis. Reduzido e desestruturado, desde a década de 70 o povo saaraui divide-se entre: habitantes que permanecem em sua terra, resistindo a torturas e sequestros da polícia marroquina (considerada a mais violenta do mundo); exilados em tendas improvisadas e desprotegidas, que hoje somam cerca de 200.000 pessoas (30% da população); e revolucionários que aderiram à Frente Polisário, movimento que, apoiado pela Argélia (rival histórico do Marrocos), luta bravamente pela independência do território.

A situação alarmante em que encontra-se a África setentrional é prato cheio na indústria cinematográfica. Porém, o diretor e roteirista Álvaro Longoria não se deixa levar pelo forte apelo melodramático desse quadro, retratado de modo sóbrio e respeitoso – o grande trunfo de seu trabalho. O enfoque torna-se o absurdo envolvimento político e econômico de França e Estados Unidos nesse grave caso de violação dos direitos humanos, herança maldita da Guerra Fria.

Assim, Longoria expõe um crime internacional apoiado por duas grandes potências com a contundência de Michael Moore e a elegância de Javier Bardem, produtor do documentário e porta-voz da causa. Sua condução discreta não induz o espectador a uma visão parcial do conflito, mas privilegia a reflexão natural sobre o tema, a partir da apresentação objetiva de depoimentos, dados e evidências, o que acentua por contraste a urgência da situação. Exemplo disso é a neutralidade com que enumera uma lista de notáveis que recusaram-se a depor sobre o conflito, sem atribuir peso a nomes específicos como o de Kofi Annan – e o mais curioso é perceber que, apesar de sua importante posição de secretário-geral da ONU entre 1997 e 2007, os porquês de sua recusa são plenamente plausíveis.

Imagino Kofi Annan contribuindo para o recolhimento de informações de Longoria e Bardem, numa constrangedora admissão da ineficiência do órgão que representou por uma década (o que ainda poderia render questionamentos a seu Nobel da Paz, prêmio comumente questionado por seu viés político). Ou então, numa hipótese ainda mais remota, Annan apontando os conhecidos responsáveis pela bárbarie, revelando detalhes sórdidos das manobras ilegais praticadas por franceses e estadunidenses nos bastidores da ONU. Que diferença faria? A verdade é que, na atual conjuntura mundial, as declarações de um diplomata de sua reputação não seriam mais ameaçadoras que as de uma terrorista ficcional como Mimi Lurie (Julie Christie), que protesta – em vão – contra o comportamento belicista dos EUA em Sem Proteção (The Company You Keep, 2012). “Política é para os muito ricos... e para os super ricos”, ela diz, desacreditada de que reivindicações pessoais, através de atos terroristas ou humanitários, são incapazes de interferir nos interesses da magnitude econômica e política por trás de uma guerra.

Em um exercício menos abstrato, também é possível compreender o desejo do Brasil de ocupar uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU, a despeito de tratar-se de um órgão cuja premissa (zelar pela manutenção da paz e da segurança internacional) é ruidosamente ignorada por dois de seus cinco membros permanentes (EUA e França), países com poder de veto. Não basta ser a quinta economia do planeta se, para efeitos de política internacional, você ainda é visto como emergente.

Documentário relevante, universal e atemporal, Filhos das Nuvens é verdadeira aula de história, pois contribui para a ampliação dessas e de outras discussões pelo modo isento como apresenta temas espinhosos, principalmente ao tratar do poder ilimitado (e corrosivo) da política e da economia no mundo.

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