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Filme do Bruno Aleixo, O

(O Filme do Bruno Aleixo, 2019)
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Críticas

Cineplayers

Bons (e anárquicos) ventos portugueses

8,0

Tem um quê de Adaptação, o brilhante segundo longa de Spike Jonze, nessa fantasia documental anárquica chamada O Filme do Bruno Aleixo, que honra o atual momento do cinema português que tem injetado uma refrescante juventude espiritual na cena cinematográfica europeia. Como no filme de Jonze, uma (a princípio) 'adaptação' do romance 'O Ladrão de Orquídeas' que envereda para uma reflexão sobre o fazer - e o não-fazer - cinematográfico de maneira tão subversiva quanto é o seu autor, aqui temos um ponto de partida, revelado no título. O que nasce daí pode ser lido como qualquer coisa, menos o que se esperava do projeto.

Mas quem é Bruno Aleixo? Sem muita investigação prévia, o próprio longa apresenta ao público esse YouTuber lusitano, um dos maiores de seu país, que se expandiu e hoje tem um programa de TV que também nada tem de convencional, um misto de talk show, humorístico, e um projeto de vanguarda onde seus integrantes trajam avatares virtuais para interpretá-los, tudo no melhor estilo 'só se acredita, vendo'. O filme teria nascido a partir do convite de produtores locais pra contar "a vida" de Aleixo em longa metragem. Ou não. O que nasce dessa tentativa é algo nada confortável para o espectador, que é tirado da zona de conforto para assistir a um festival de gags visuais, piadas nonsense de teor polêmico muitas vezes, uma mistura de linguagens constante e uma proposta arrojada de mergulho analítico.

O envolvimento com O Filme do Bruno Aleixo será, como poucas vezes dita com tanta assertividade, completamente pessoal e intransferível, como convém a comédias, sejam elas narrativamente ousadas como aqui ou mesmo os produtos mais palatáveis. Em esquema de bate papo informal entre amigos, onde se desenham as muitas possibilidades de resolução do 'problema', o que se desfila na tela atira pra muitos lados e o acerto dos alvos vai depender de cada um para aceitar tantas inserções provocativas. Muito rapidamente fica claro que o tal 'filme' que estamos vendo é, na verdade, a tentativa de um, onde provavelmente tudo ali advém da escola tradicional do 'mockumentary' - falsos documentários que escondem produtos muito mais elaborados do que se pressupõem.

Elencados como um cachorro, uma besta aquática, um pirata e um... 'busto' histórico (!!!), os quatro amigos debatem as inúmeras formas de transformar a vida do cachorro - o avatar de Bruno - em um projeto de cinema, com sugestões propositadamente muito estapafúrdias, também por isso surreais, e assim muitas vezes hilárias. Ainda que essa estrutura vez por outra se esgote e repita além do que deveria, não se pode negar que pouco foi feito no cinema que se assemelhe minimamente com o que o diretores João Moreira e Pedro Santo propõem, em estética e narrativa... Sabe-se lá qual seja ela. O cansaço pela reiteração da piada é um risco que se corria e o projeto exala risco desde a sinopse.

Como o melhor cinema de Portugal hoje realizado por mentes irrequietas como as de João Pedro Rodrigues e João Nicolau, a dupla por trás de O Filme do Bruno Aleixo salta a possibilidade de realizá-lo que se esperava para entregar uma caixinha de surpresas das mais inusitadas e divertidas, que eventualmente se exaure, para logo depois voltar a surpreender e divertir com sua leitura muito particular da cultura das sub-celebridades hoje, que é o verdadeiro tema por trás do filme. Como a sociedade invade e lida com pessoas (aqui, literalmente) anônimas que hoje estão em todos os lugares e fazendo todas as coisas, que um filme tão sacana como esse pode a um só tempo exaltar e tirar sarro, tornando todo o pacote ainda mais fora do comum.

Crítica da cobertura do 21º Festival do Rio

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