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Críticas

Cineplayers

Mais denso e profundo do que parece, ainda que seja apenas mais um do gênero.

7,0

Não é de hoje que histórias centradas em departamentos de polícia fazem parte do cenário cinematográfico. Seria difícil afirmar com precisão quando policiais corruptos e investigações criminais chegaram pela primeira vez às telas, mas é fácil perceber que esse gênero (ou subgênero) tem se tornado cada vez mais frequente, ainda que nem sempre gere filmes de qualidade. No entanto, vez ou outra surgem produções capazes de surpreender e atingirem seus propósitos mesmo dentro de um tema batido como esse. Força Policial, conquanto nada apresente de original, é um desses casos.

Escrito por Joe Carnahan (Narc), Greg O’Connor e o também diretor Gavin O’Connor, Força Policial conta a história de uma família que trabalha na polícia de Nova York. Quando quatro de seus colegas são mortos em uma tentativa de prisão, Francis, o pai (interpretado por Jon Voight), chama seu filho Ray (Norton) para fazer parte da força-tarefa que cuidará do caso, ainda que o policial esteja há anos longe das ruas. O grande problema é que os tiras mortos faziam parte do Departamento comandado pelo seu irmão de Ray, Fran (Emmerich), enquanto o cunhado Jimmy (Farrell) revela-se como um dos principais suspeitos.

Força Policial tem início de maneira bastante irregular, especialmente no que concerne à investigação do incidente que dá início à trama. Os fatos e revelações são apresentados de forma abrupta, corrida, o que dificulta a compreensão e o acompanhamento da narrativa por parte do espectador. Além disso, a montagem falha ao proporcionar mais tempo de projeção a determinados personagens e deixando outros em segundo plano; Jimmy, por exemplo, fica um bom período sem aparecer, o que é indesculpável tendo em vista o fato de ele ser um dos protagonistas do filme.

No entanto, aos poucos o diretor Gavin O’Connor vai colocando sua obra nos trilhos e Força Policial começa a envolver a platéia, inclusive surpreendendo por mostrar mais conteúdo do que parecia à primeira vista. O grande acerto do trabalho de O’Connor e dos roteiristas diz respeito à construção dos personagens, praticamente todos bem delineados e defendidos por atores de talento. Ray, por exemplo, é um homem que perdeu muito em função de um erro cometido no passado, e se encontra novamente tendo que lidar com esse trauma ao voltar às ruas. Mais do que isso, é um policial correto, que se vê diante de um dilema ao ir mais fundo na investigação – e Edward Norton, com seu talento característico, é hábil ao transmitir a vulnerabilidade do personagem.

Enquanto isso, Toby Emmerich, sempre um bom ator, talvez apresente aqui a interpretação mais completa de toda a sua carreira. Com o apoio de um roteiro que oferece bastante recurso para o desenvolvimento do personagem, Emmerich faz de Franny um homem encurralado diante de algo que nem é tanto sua culpa. O aspecto trágico do personagem ganha ainda mais força quando a platéia percebe a dedicação que ele oferece à esposa doente e, principalmente, o quanto se sente derrotado pelo fato de tê-la decepcionado. Aqui, aliás, cabe também tecer loas à interpretação de Jennifer Ehle que, com pouquíssimos segundos em cena, é responsável por dois dos momentos mais belos e tocantes da produção: a cena na qual recebe um presente do marido e o comovente instante no qual chora ao perceber que não possui mais muito tempo ao lado dos filhos.

O mais surpreendente em relação ao elenco, porém, talvez seja a intensidade com a qual Jon Voight interpreta seu personagem. Mesmo sendo um profissional de comprovado talento, há anos Voight não demonstrava dedicação a um papel. Em Força Policial, o ator deixa o método caricatural de lado para oferecer densidade a Francis, um homem de profundo amor e consideração pelos seus filhos, mas decepcionado diante dos fatos que se apresentam, tentando de todas as formas manter a família unida. Voight possui alguns ótimos momentos no filme, como a sua conversa com Emmerich ao perguntar se ele sabia de tudo o que acontecia.

Por outro lado, o também talentoso Colin Farrell é prejudicado pela pouca atenção que o roteiro dedica ao seu personagem, principalmente quando comparado à cuidadosa construção dos demais. Força Policial trata Jimmy como nada mais do que um marginal com a vestimenta de policial, sem oferecer qualquer sinal do motivo que levou um pai de família amoroso a agir de tal forma. Verdade que Farrell ainda traz intensidade ao papel, mas em um roteiro que apresenta personagens com certo grau de complexidade, o retrato composto de Jimmy não deixa de ser unidimensional e, até certo ponto, uma decepção.

Essa, porém, é uma das poucas vezes que o roteiro age de maneira rasa. Força Policial demonstra profundidade insuspeitada ao apresentar diversos dilemas morais ao longo de suas pouco mais de duas horas, colocando os personagens em situações difíceis e escolhas quase impossíveis de serem tomadas. Além disso, a produção ainda trata de forma respeitável outras questões que oferecem densidade à trama, como o sentimento de remorso, culpa, e a reflexão de sobre como apenas um deslize pode definir o restante de nossas vidas – e a forma pela qual seremos julgados pelos outros.

O’Connor e seus roteiristas ainda acertam ao evitar o risco de construir toda a narrativa como uma forma de descobrir quem é o verdadeiro vilão. Esse é um recurso cada vez mais batido e que pode voltar-se contra o próprio filme se não for muito bem amarrado (vide o recente As Duas Faces da Lei), e os cineastas optam por deixar claro desde o início, ao menos para o espectador, quem está por trás dos acontecimentos – no entanto, demoram para revelar o que aconteceu e os motivos para isso, mantendo o interesse da platéia no desenrolar da história. Com essa escolha, O’Connor faz de Força Policial não um filme sobre investigação, mas o conto de uma família se desestruturando, deixando o enredo policial como pano de fundo.

Tudo isso é contado de maneira intensa, nervosa. O diretor apela para uma paleta de tons frios e utiliza sua câmera em constante movimento, realçando a desolação dos personagens e a urgência que a história pede. Além disso, O’Connor ainda se destaca em momentos específicos, como o tenso plano-sequência que acompanha Franny entrando no prédio após o tiroteio inicial, a cena de Sandy no carro do repórter e as já citadas participações de Jennifer Ehle, captadas com extrema sensibilidade pelo cineasta.

Mas Força Policial não deixa de lado algumas derrapadas que poderiam facilmente ter sido corrigidas caso fosse comandado por um cineasta mais experiente. É o caso, por exemplo, da patética e desnecessária briga final entre dois personagens, na qual o tom realista é deixado de lado para uma lutinha confusa e sem graça. O roteiro ainda cai em alguns clichês e furos, como a cena do jantar (será que não existe outra maneira de mostrar uma família feliz do que com todos à mesa?) e o personagem do jornalista, que entra como se fosse desempenhar importante papel na trama, mas acaba praticamente esquecido.

 De qualquer forma, mesmo com sua parcela de problemas, Força Policial ainda é um filme digno e competente, que faz jus ao gênero que já rendeu obras como Serpico, O Gângster e Os Infiltrados. O trabalho de Gavin O’Connor nada traz de original, mas é apresentado com vigor, em uma trama eficiente, com personagens fortes e bem construídos. Em outras palavras, oferece muito mais do que se vê por aí.

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