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Críticas

Cineplayers

A viagem de Burton pelo universo de referências que fizeram seu cinema.

7,5

Dentre todas as criaturas bizarras que desfilam durante a projeção de Frankenweenie (idem, 2012), há uma tartaruga gigante chamada Shelley, talvez em homenagem à escritora Mary Shelley, que segue em uma série de ações que remetem a situações clássicas de filmes como King Kong (idem, 1933), Godzilla (Gojira, 1954) e Jurassic Park - Parque dos Dinossauros (Jurassic Park, 1993). Há também alguns kikos marinhos que ganham vida e tocam terror ao puro estilo de Gremlins (idem, 1984). Uma espécie de hamster mumificado entra no samba do crioulo doido trazendo consigo referências ao filme A Múmia (The Mummy, 1959), um rato de rua transformado num indefinível bicho peludo faz lembrar O Lobisomem (The Wolf Man, 1941), e um gato fundido com morcego torna-se uma espécie de monstrengo à lá Drácula (Dracula, 1931). Comandando todo o carnaval de aberrações está o pequeno Sparky, um cão todo remendado que voltou à vida depois de uma operação inspirada naquela clássica de Frankenstein (idem, 1931), junto com a cadelinha Perséfone e sua óbvia semelhança com a personagem-título de A Noiva de Frankenstein (Bride of Frankenstein, 1935).

Toda essa bicharada morta-viva só vem dar as caras em conjunto lá pelos momentos finais do novo filme de Tim Burton, para chegar a um clímax que muito se assemelha com o gran finale do melhor filme de seu realizador, Edward Mãos de Tesoura (Edward Scissorhands, 1990). A conclusão que se chega é que, por mais que o novo Frankenweenie – remake de um curta-metragem homônimo de 1984 – seja revestido de dezenas de referências ao cinema B de terror que tanto influenciou o cinema de Burton, sua essência é basicamente uma releitura da própria obra do cineasta. Mais especificamente, Frankenweenie é uma mistura de Edward Mãos de Tesoura com Vincent (idem, 1982), com alguns toques de Ed Wood (idem, 1994) e O Estranho Mundo de Jack (The Nightmare Before Christimas, 1993), animação produzida pelo diretor.

A trama gira em torno de Victor Frankenstein, um garotinho sem amigos que ama passar o tempo com seu cachorrinho Sparky. Quando um acidente causa a morte de Spraky, Victor usa uma ideia tirada de sua aula de ciências com o bizarro professor Rzykruski (voz original de Martin Landau) e ressuscita seu animal de estimação através da força elétrica de um raio. A ideia dá certo, mas acaba vazando graças à língua grande de um colega de sala (personagem que remete ao grotesco Igor, ajudante do Dr. Frankenstein da história de Mary Shelley) e, de repente, toda a criançada do bairro decide ressuscitar algum pet perdido para ganhar a competição da feira de ciências da escola.

Há todo um visual característico para os padrões de Burton, como a animação stop-motion, o preto-e-branco, e cenários que parecem evocar os anos 1950, embora jamais seja especificada a época em que se passa o filme (inevitável a comparação com a simétrica cidadezinha suburbana de Edward Mãos de Tesoura), e uma forte pegada na estética clássica do expressionismo alemão. E não apenas no visual, Frankenweenie é puro Burton no que diz respeito aos seus conflitos abordados. Victor é um garoto isolado, esquisito e que prefere a ciência aos esportes, e por isso não tem muitos amigos, razão pela qual se apega tanto ao seu cachorrinho fiel. Tal como Edward, Ed Wood, Sweeney Todd, Willy Wonka, Vincent e Alice, Victor é um outsider, mas não por isso uma pessoa ruim. Apesar do clima trash de filme B que rodeia seu universo, ele nada mais é que um garoto confuso e carinhoso. O diferente está em ele não ser o único. Ao contrário do que acontece em Edward, onde o personagem-título é uma aberração gótica em meio a uma cidade perfeita e colorida, Victor compartilha de sua esquisitice com todos os coleguinhas de sua sala de aula. No universo de Frankenweenie o bizarro é o normal, e por isso parece ser mais fácil aceitar quando todos os personagens embarcam na ideia de sair por aí ressuscitando animais. Sua vizinha, por exemplo, dona da cadelinha Perséfone, é a anêmica Elsa van Helsing (voz de Winona Ryder), garota tristonha que compartilha com Victor e com todos os outros uma solidão coletiva.  

No meio das semelhanças e diferenças que podemos encontrar entre Frenkenweenie e outras obras de Burton, o que se pode enxergar é a busca do cineasta em se reafirmar como autor (a belíssima cena inicial, na qual Victor apresenta aos seus pais um filme de terror amador feito com bonecos e caixas de papelão nada mais é do que uma lembrança de suas próprias origens). Há anos que ele cambaleia entre o lado mais sombrio de seu cinema e o apelo colorido popular que anda lhe rendendo muita grana, em especial depois do início de sua parceria com a Disney. E embora impere o padrão Disney de fofura e moral no final da história aqui em Frankenweenie, o que prevalece é a veia gótica e desajustada de Burton. Depois de um período de adaptação, parece que os dois finalmente conseguiram encontrar uma história que alimente a ambição de ambos. Burton pôde fazer um melhor aproveitamento do filme de 1984, quando ainda era um cineasta iniciante e não tinha recursos e experiência o suficiente para completar a obra como gostaria.

Um final anticlimático e um tanto meloso acaba destoando de toda a obra, e mesmo para uma animação da Disney parece exagerado. Fora isso, temos de volta um Tim Burton há muito perdido nos anos 1980 e 1990, excluso, mas ao mesmo tempo tão sensível aos conflitos dos inadaptáveis, como já mostrou noutra produção que lançou este ano, Sombras da Noite (Dark Shadows, 2012). Desta vez não somente com um personagem, mas com vários, ele passa a mensagem de que cada vez mais o mundo é preenchido pelos não compreendidos. Os dias são outros, e depois de um tempo para conseguir enxergar isso, Burton volta com tudo, acompanhado de suas deliciosas referências e dos incontáveis espectadores que com certeza voltam a se identificar com seus conflitos e excentricidades. 

Comentários (6)

Vinícius Aranha | terça-feira, 13 de Novembro de 2012 - 20:20

Quero muito ver. E pelo jeito depois de Alice (que é ruim), Burton resolveu investir mais no revisionismo, coisa que o próprio Sombras da Noite já tinha bastante.

Rodrigo Torres | sexta-feira, 21 de Dezembro de 2012 - 11:53

Não podia concordar tanto com uma crítica. Grande Heitor!

Alexandre Koball | quinta-feira, 21 de Fevereiro de 2013 - 07:38

Achei muito ruim, outro filme de Burton descartável.

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