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Frei Damião - O Santo do Nordeste

(Frei Damião - O Santo do Nordeste, 2019)
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Fé sem contraponto

4,5

A diretora Deby Brennand abre o Cine PE 2019 com ares de cria e descoberta do festival. Há 3 anos, seu Danado de Bom ganhava a competição no Recife e partiria daqui para revela-la como realizadora, uma voz fresca em busca de olhares significativos sobre figuras importantes do cenário social brasileiro, ainda que eventualmente não reverberadas a contento, a título também de ampliar o leque de referências nordestinas em condição inferior ao que suas trajetórias criaram em matéria de relevância. Se em sua premiada incursão inicial o retrato girava em torno de João Silva, parceiro de Luiz Gonzaga nos grandes sucessos de sua carreira e infelizmente menos conhecido do que deveria, seu campo de observação se amplia ao se debruçar sobre Frei Damião, o religioso italiano que durante mais de 60 anos viveu no Nordeste - em específico Pernambuco - onde perpetuou uma legião de fiéis em torno de sua imensa bondade e desvelo com os necessitados.

Assim como no seu longa anterior, Deby se aproxima de uma figura impoluta que não oferece qualquer contraponto a sua existência, de fato superior. Seu trabalho é compilar um sem número de casos e investigações de fatos através de quem os conheceu e seguidores, além de dramatizar sua história pessoal e familiar, a título de ecoar sua formação como homem de fé. A despeito do caráter 'docudramático' vir sendo usado em profusão no nosso cinema com resultados em sua maioria duvidosos, Deby consegue uma positiva sobriedade em sua porção ficcional que realça essa escolha, excetuando diálogos ao máximo e dando voz à imagem - é a esfinge do Frei que o filme vislumbra, sempre de esguelha, por trás dos ombros, perfil distanciado, protegendo não apenas o rosto real do personagem e também criando para o mesmo uma imagem inalcansavel positivamente, como se o filme não estivesse na mesma estatura de seu homenageado; sinal de respeito e consciência.

O filme se vale de filmagens reais de Otacilio Cartaxo com o religioso durante os anos 70, imagens essas que nunca tinham se transformado no filme que prometia ser e que agora serviu como norte à diretora. Essas imagens antigas são de fato belos registros que impactam o resultado final, mas é a fotografia de Breno César a responsável por criar unidade entre os depoimentos e a ficcionalização da trajetória do Frei, com uma luz acertada e a proposta logística de muita qualidade, que acaba trazendo ao projeto ainda mais função que os relatos, que fazem pouco além de exaltar a figura do personagem, sem oferecer uma linha que trafegue de maneira enviesada pela narrativa. É tudo absolutamente claro e certeiro, tirando qualquer nuance extra que justifique ao projeto sua duração.

Nascido Pio Giannotti em 1898, sua vocação fica clara desde a infância e se evidencia após a Primeira Guerra Mundial, mas o filme não investiga nem um possível conflito entre suas escolhas e o lugar onde sua família é posicionada no processo. Mesmo ao atuar no Brasil como missionário desde 1931, o filme carece de elementos que instiguem ao debate quanto à ausência de potência narrativa, que fica evidente. Ainda que tecnicamente seja de bom gosto (sua trilha é utilizada em demasia, embora tenha qualidade), o filme não consegue se justificar para além do caráter institucional, o que é pouco para alguém tão emblemático da fé brasileira no século passado. 

Um dos raros momentos agudos do filme é quando frei Fernando, parceiro de Damião em missões pelo interior do Nordeste, acusa a população durante um pronunciamento a respeito do estado de saúde precário no fim da vida do Frei, pois a falta de empatia com seu estado não os fazia perceber a exploração com que todos sutilmente (ou não) se relacionava com eles. Nesse instante mais próximo do final o filme ganha garra e propósito, deixando claro que existiam possibilidades de elevar o material do caráter de propaganda que se apresenta. Ainda assim, Frei Damião é o retrato de um homem que levou às últimas consequências sua vocação, e o viés negativo de exploração da fé. 

Filme visto no Cine PE 2019

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