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Críticas

Cineplayers

Apesar do realismo, o roteiro é quadrado e totalmente previsível. Um pequeno clássico superestimado.

7,0

Don Siegel e Clint Eastwood possuem diversas parcerias de sucesso. Desde faroestes como Os Abutres Têm Fome (Two Mules for Sister Sara, 1970), passando por uma das mais famosas séries policiais do cinema, os filmes de Perseguidor Implacável, até chegar em uma pequena e excepcional obra-prima da década de 1970, O Estranho Que Nós Amamos (The Beguild, 1971) - que rendera aquela que, para mim, é a grande atuação de Eastwood em toda a sua carreira. Porém, dentre estes filmes, poucos obtiveram a fama e a glória conquistada por Fuga de Alcatraz (Escape From Alcatraz, 1979), um dos mais lembrados e apreciados filmes de “fuga-de-prisão” já produzidos. Mas, vale dizer: de maneira extremamente superestimada. 

Existem, para mim, dois filmes do estilo que são, indubitavelmente, os melhores do cinema: um deles, produzido por Alan Parker no ano anterior ao da produção de Fuga de Alcatraz, chama-se O Expresso da Meia-Noite (Midnight Express, 1978). Um drama forte e comovente, que demonstra audácia ao retratar de forma bastante crua a realidade das prisões turcas da época. O outro, um pouco mais antigo, é um dos mais excepcionais filmes de ação da década de 1960: Fugindo do Inferno (The Greath Scape, 1963), de John Sturges. Esse, por sua vez, é praticamente perfeito em sua construção narrativa, criando uma trama grandiosa e bastante funcional, que tornara-se um marco das produções do estilo. 

Fuga de Alcatraz foge do estilo de um e de outro, se assemelhando mais com produções como Papillon (idem, 1973). Ambas são baseados em fatos reais, e possuem, como característica mais marcante, a capacidade de decepcionar aqueles que leram, ou ao menos conhecem as histórias nas quais foram inspiraram. Enquanto a produção de Franklin J. Schaffner retalhara a ótima e fascinante história do livro homônimo, o filme de Siegel traz uma visão bastante rasa e pouco pretensiosa sobre um dos fatos mais marcantes da história policial moderna norte-americana: a fuga de três prisioneiros da maior e mais famosa prisão de segurança máxima do país, conhecida como a Rocha. Teoricamente inexpugnável, a fortaleza de Alcatraz, ilhada perto da costa de São Francisco, determinara o término de suas atividadas uma ano depois do ocorrido, permanecendo inutilizada (a não ser para fins turísticos) até os dias de hoje. 

O poderio temático da obra, admitamos, é imensurável. Muitas eram as possibilidades para se criar uma divertida e empolgante história de ação policial. No entanto, a ótima premissa é desperdiçada de forma incrível pelo fraco desenvolvimento do roteiro, que conta com raros momentos de inspiração distribuídos ao longo de suas duas horas de duração. É óbvio que, quando um filme é primariamente baseado em uma história real, devemos levar em conta o fato deste ter de seguir basicamente os principais detalhes do acontecimento histórico. Não poderiamos exigir da obra ocorrências absurdas como, por exemplo, um resgate de helicóptero seguido de 10 minutos de pura pirotecnia, como veríamos em uma produção atual. Todavia, o filme não rende, em momento algum, seqüências tensas ou que valham realmente a fama conquistada para si.

Alguns momentos, inclusive, são absurdamente previsíveis, como quando Frank Morris, personagem de Clint Eastwood, atravessa o túnel que cavara para analisar as condições da rota da fuga e, concomitantemente, o guarda de ronda se aproxima lentamente de sua cela, a fim de verificar a presença do sujeito. Inicialmente, a cena pode provocar alguma angústia, principalmente pela manipulação da edição e da trilha sonora do filme, mas, para qualquer pessoa que já assistira meia dúzia de filmes hollywoodianos, sua resolução é óbvia e, quando acontece, decepcionante, já que, ao mesmo tempo que temos certeza do que irá acontecer (nem preciso citar, você já deve imaginar), torcemos para que o filme vá contra nossas expectativas e nos surpreenda - o que, logicamente, não acontece.

Aliás, talvez este seja o maior problema da obra: o fato dela não nos surpreender em nada, ser previsível, excessivamente despretensiosa. Quando assistimos a um filme sobre o qual já sabemos o final (e isso, na obra em questão, não é privilégio apenas de quem conhece o acontecimento real, já que o próprio filme se vende como “a história do único homem que fugiu de Alcatraz”), precisamos de uma trama que nos surpreenda, pelo menos nos espaços existentes entre os fatos já conhecidos por nós. Em Fuga de Alcatraz, porém, não existem muitas seqüências que saiam do lugar comum, ousem ir além daquilo já apresentado e transgridam o tempo (fato que ocorre em O Expresso da Meia-Noite, por exemplo - do qual também conhecemos o final, já que o indivíduo não poderia ter lançado suas memórias em livro sem ter fugido da prisão), o que torna a experiência relativamente maçante. 

Apesar disso, o filme tem alguns grandes valores: embora cadencie excessivamente o ritmo da narrativa, a direção de Don Siegel é competente e mantém a mesma (morna) intensidade o tempo todo. Jamais deixa a obra perder a capacidade de entreter, evitando pausas dramáticas e momentos muito absurdos, típicos de filmes do estilo (mesmo que eu tenha cobrado maior tensão à obra, não gostaria de ver momentos de ação esporádicos e muito irrelevantes à história). Ademais, a obra possui uma parte técnica de extrema qualidade, contando, inclusive, com locações privilegiadas dentro da própria prisão de Alcatraz, um feito inédito até o momento. Com isso, a obra ganha veracidade, já que leva o espectador à própria anfitriã dos acontecimentos reais, transmitindo a claustrofóbica sensação deste estar praticamente fazendo parte do dia-a-dia da penitenciária real.

Já Clint Eastwood, por sua vez, encarna aquele velho e conhecido tipo seu: o homem calado, sério, estrategista e mal encarado, que tornara-se praticamente um alter-ego do ator, ou pelo menos sua persona cinematográfica. Desde os tempos de suas maravilhosas parcerias com Sergio Leone, que iniciaram com Por Um Punhado de Dólares (Per um Pugno di Dolari, 1964), tendo fim com a inigualável obra-prima Três Homens em Conflito (Il Buono, Il Bruto, Il Cativo, 1966), o ator vem repetindo (ou melhor, vinha, já que a velhice fez com que Clint automaticamente abandonasse o estilo e se adaptasse aos padrões etários) o tipo de forma sempre interessante. Enquanto isso, o elenco de apoio também se mostra bastante eficiente, embora não conte com nenhum nome de peso. 

Levando em conta o grande número de defeitos apontados por mim (convenhamos, muito maior do que o de qualidades), pode parecer que desgosto de Fuga de Alcatraz. Na verdade, não. É um bom filme sim, entretém de maneira corretinha e nos mantém interessados o tempo inteiro. Porém, um tema tão grandioso merecia algo muito mais significativo, que ao menos evocasse momentos de inspiração similares aos das citadas obras do gênero. Enquanto Parker transformara seu Expresso da Meia Noite em um filme forte e inesquecível, Siegel apostara na fórmula mais quadrada possível de se encontrar em Hollywood, temendo ousar a qualquer custo. Com isso, cria um filme de aventura divertido, mas extremamente simplório e banal. É pouco, visto as possibilidades existentes para um projeto como este.

Comentários (1)

Junior Ferreira | quarta-feira, 03 de Junho de 2015 - 21:05

Acho um grande filme, mas a critíca ta bem feita, com bons argumentos de que ele não seja tão grande assim.

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