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Críticas

Cineplayers

Um verdadeiro desastre que está mais para o Tártaro do que para o Olimpo.

3,0

Há aproximadamente dois anos, ao sair da sessão de Fúria de Titãs (Clash of the Titans, 2010), lembro que não senti raiva por ver um filme ruim. Senti indiferença. Era o tipo de produção genérica, insossa, que tendia a desaparecer de nossa mente pouco após a sessão, como se jamais tivessem existido. E foi o que ocorreu. É um filme do qual tenho pouca lembrança, mesmo assistindo-o há não muito tempo. Na realidade, são apenas duas as memórias da refilmagem do cultuado filme de 1981: o sentimento de ter sido roubado com a tenebrosa conversão para o 3D e a frase “Release the Kraken”, que, independente da qualidade do filme, conseguiu um lugar na cultura pop.

Já não posso dizer o mesmo, porém, da sequência. Fúria de Titãs 2 (Wrath of the Titans, 2012) é o típico integrante do primeiro grupo citado acima: um filme realizado de forma tão caótica e desinteressada pelos envolvidos que é capaz de gerar raiva em qualquer espectador com um mínimo de exigência – ainda que estes sejam poucos nas plateias hoje em dia. Dirigido por Jonathan Liebesman, o “gênio” por trás de “obras-primas” como O Massacre da Serra Elétrica (Texas Chainsaw Massacre: The Beginning, 2006) e Invasão do Mundo: Batalha de Los Angeles (Battle Los Angeles, 2011), a produção não possui uma única qualidade narrativa, deixando de lado qualquer tentativa de criar história e personagens para preencher a tela com cenas de ação sem propósito e toneladas de efeitos especiais, estes sim, de primeiro nível.

Como mencionei os efeitos, vamos, antes de começar a desancar o filme, às suas poucas e relativas qualidades. Sim, o trabalho digital em Fúria de Titãs 2 é impressionante, mas isso é o mínimo de que se espera de uma superprodução no qual os efeitos são o grande atrativo. Além disso, sem a construção de uma narrativa, as intermináveis correrias e explosões acabam por se tornar enfadonhas – e o cansativo clímax do filme, no combate com Cronos, é o principal exemplo disso. Da mesma forma, o 3D aqui é infinitamente melhor do que o de seu predecessor, porém Liebesman utiliza-o como a maioria dos cineastas deslumbrados com a nova tecnologia: como uma forma de “jogar” coisas na cara do espectador, não de criar uma experiência diferenciada que seja um complemento à narrativa (são diversos os planos criados com o único objetivo de fazer elementos saltarem da tela).

E pronto. São esses os aspectos positivos de Fúria de Titãs 2. O resto é um absurdo cinematográfico, um verdadeiro atentado a qualquer cineasta ou roteirista que se esforça para respeitar seu público. Para começar, Liebesman e seus escritores Dan Mazeau e David Johnson não se dignam a realizar qualquer apresentação ou contextualização da história e dos personagens. Em três ou quatro minutos, Fúria de Titãs 2 já joga na tela a sua primeira cena de ação. Vocês podem pensar: “Ah, mas ele deve começar assim para prender a atenção da plateia e depois começar a história”. Tolinhos. Para se ter uma ideia, um dos pontos principais da “trama” de Fúria de Titãs 2 é a relação entre Perseu e seu filho Hélio: é, pelo pouco que se pode compreender, uma das motivações do protagonista. No entanto, os dois dividem uma única cena de poucos segundos no início do filme e depois Perseu já parte em sua jornada. Ou seja, não há um mínimo desenvolvimento da relação entre eles para que a plateia possa criar alguma espécie de identificação – se Hélio fosse um moleque qualquer, não faria diferença.

Aliás, este é um problema que se estende à interação entre todos os personagens, não apenas no que diz respeito a Perseu e Hélio. Não há uma tentativa de fazer com que as relações entre as pessoas do filme sejam verossímeis, com um crescimento natural, que faça o espectador acreditar naquilo. Além de Perseu e Hélio, o romance entre o protagonista e Andrômeda e a relação de ódio e amor entre Zeus e Hades são dois outros exemplos do péssimo desenvolvimento do roteiro, que apenas joga as informações em tela como se isso bastasse para torná-las críveis. Claro que, para isso, também contribui o desleixo na construção dos próprios personagens: seria tolo esperar um aprofundamento psicológico em um filme como Fúria de Titãs 2, mas o mínimo que se pede são personagens com alguma personalidade, para que o espectador os veja como algo mais do que meras cartolinas de papel. Adivinhem se isso ocorre aqui.

Com isso, o desenrolar do “enredo” e tudo o que acontece em tela são totalmente inverossímeis. A mudança sofrida por Hades, por exemplo, jamais encontra justificativa no que é mostrado na obra, surgindo unicamente como uma necessidade do roteiro do que algo lógico à trama. Da mesma forma, Fúria de Titãs 2 demonstra todo o seu desprezo pela inteligência da plateia ao apelar constantemente para diálogos expositivos, como na conversa entre Perseu e uma senhora que cuida de suas lesões ou quando Hades fala para Zeus: “Meu irmão que me baniu para que eu cuidasse do meu pai agora quer reconciliação”. São falas sem propósito para aqueles momentos entre os personagens, inserida na trama simplesmente para explicar de forma nada natural uma informação que os realizadores não foram capazes de transmiti-la de maneira mais orgânica.

Mas nada disso se compara à total falta de lógica daquilo que normalmente se chama de enredo – e que aqui deve possuir outro nome. É uma coleção quase interminável de furos e inconsistências que fica até difícil de listar. Exemplos? Em diversos momentos do filme, personagens falam a Perseu coisas como “Você deve viajar ao submundo”, “Você é a última esperança da humanidade” e “A mão que segura a lança deve ser a sua”, dando a entender que apenas ele pode enfrentar os Titãs. O que os realizadores parecem esquecer é a explicação para isso. Por que diabos deve ser Perseu a fazer tudo? Por que não poderiam ser outros? Em outro momento, um personagem diz que devem levar Hefesto para mais perto do céu. Precisa dizer que isso é completamente deixado de lado? E não vou nem citar bobagens menores, como Perseu voando em meio à lava e ao fogo ou os Cíclopes atacando sem motivos – se bem que a razão aí é bastante clara: mais uma cena de ação para o filme, mesmo que seja sem sentido.

Estas cenas de ação são divertidas, ao menos? Nem perto. Como já citado, a falta de identificação entre plateia e personagens já as deixa sem qualquer emoção, mas o apoio da falta de talento de Jonathan Liebesman também é crucial. Na verdade, há um único, solitário e isolado plano interessante em todas as cenas de ação de Fúria de Titãs 2: logo na primeira luta contra a Quimera, a câmera acompanha sem cortes Perseu em uma corrida pelo vilarejo, subindo um casebre e pulando sobre a criatura. É um dos poucos momentos em que Liebesman evita o excesso de cortes e, por estar presente entre um dos instantes iniciais do filme, ainda faz o espectador pensar que a produção pode ser bem filmada. Ledo engano, óbvio. Liebesman aposta na tendência atual de picotar seu filme ao máximo, tornando incompreensível boa parte das sequências mais movimentadas. Como se não bastasse, o cineasta demonstra sua inépcia e falta de sutileza em outros momentos, com na cena em que Andrômeda tenta convencer Hefesto a mostrar o caminho ao Tártaro: junto ao péssimo texto de auto-ajuda que sai da boca de Rosamund Pike, Liebesman joga uma trilha sonora melosa por cima, como se aquele realmente fosse um momento emocionante, em uma cena constrangedoramente piegas e dirigida de forma exagerada.

Para piorar, Fúria de Titãs 2 é uma vergonha também no trabalho de montagem do veterano Martin Walsh, que não consegue dar coesão às sequências. A cena do labirinto, por exemplo, é um desastre, com planos que não se complementam em uma ordem lógica. O mesmo vale para o ataque da Quimera logo no início do filme: eu poderia jurar que o filho de Perseu tinha sido queimado por uma das baforadas de fogo da criatura. Aliás, alguém sabe explicar como eles saíram do Tártato, supostamente um lugar impossível de entrar e sair? Após libertarem Zeus, os protagonistas simplesmente já se encontram no acampamento do exército, em mais uma prova da total falta de coerência do filme. Ao mesmo tempo, o design de produção se mostra pouco inspirado, pois não há um cenário que consiga se destacar de forma positiva, mesmo que o tema da produção oportunize isso. Vou ainda mais longe: até mesmo o inferno de Percy Jackson e o Ladrão de Raios (Percy Jackson & The Olympians: The Lightining Thief, 2010) é mais bacana do que o visto aqui.

Pecando ainda pela falta de humor – as poucas tentativas com Agenor são constrangedoras – e por desperdiçar o tema repleto de possibilidades, Fúria de Titãs 2 é um desastre em praticamente todos os sentidos. A última cena, para desespero da plateia, ainda sugere uma passagem de bastão (ou de espada) para mais uma continuação. Que os deuses do Olimpo nos poupem disso.

Comentários (5)

Bruno Cavalcanti | terça-feira, 10 de Abril de 2012 - 10:34

huahsuahsuhaushaus ,muito boa crítica, e lamentável o fato deste ser inferior, ainda acho o primeiro um filme divertido, inegavelmente ruim, mas divertido. Achei que esse segundo seria melhor, mas se até na ação ele parece ser fraco, então nem vou mais esperar nada, mas também, o que diabos esperar de Jonathan Liebesman?

Vinícius Aranha | sábado, 14 de Abril de 2012 - 17:56

Curti o primeiro, apesar de tudo. Já esse parece ser uma bosta mesmo.

Victor Hugo Paiva Coelho | domingo, 15 de Abril de 2012 - 11:19

O título do filme ta "Warth of titans".

Adoro ver essas críticas que esculacham! Ainda mais de um filme que é bem ruim!

Cristian Oliveira Bruno | terça-feira, 26 de Novembro de 2013 - 16:05

Os dois sofrem do mesmo problerma: Falta de desenvolvimento da história que, em apenas 90 minutos é algo quase impossível no gênero. Em um momento tudo está calmo e, em um segundo, Zeus surge e começa a chover monstros do céu. A falta de cérebro de Liebesman impressiona....o primeiro tinha uma leve (bem leve mesmo) dose de diversão e esse segundo, nem perto disso passa.

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