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Críticas

Cineplayers

Com uma produção simples e sem nomes famosos, Claude Chabrol nos faz relembrar a delícia de ser espectador de tramas humanas.

8,0

Não amaldiçoaremos os blockbusters neste texto e já demos créditos suficientemente bons à estréia de Batmam - O Cavaleiro das Trevas para deixar claro que gostamos deles, quando bem realizados. Mas ficou esmagado e ofuscado entre os lançamentos o novo filme do diretor francês Claude Chabrol, que ao menos pela condução da história mereceria uma atenção maior.

Para aqueles que não o conhecem, Chabrol saiu das páginas da conhecida Cahiers Du Cinéma, onde escrevia, para a direção de Nas Garras do Vício (1958), filme que é considerado marco fundador do movimento conhecido como Nouvelle Vague, que incluído no amplo movimento contestatório da década de 1960, foi o espaço para que alguns críticos de cinema pudessem pôr em prática o reverso de tudo que eles condenavam no cinema comercial da época. Neste seu filme de 2007, Uma Garota Dividida em Dois, o diretor francês atualiza aquele clássico gênero de filmes que se ocupam em investigar as pequenas – e particulares – tragédias humanas.

Numa história cuja maior preocupação é com o desenrolar de seu enredo, a personagem da jovem jornalista Gabrielle Deneige (Ludivine Sagnier) é a moça do tempo de um telejornal, que nos bastidores da emissora conhece casualmente o famoso escritor Charles Saint-Denis (François Berléand) e de imediato se instala entre eles o jogo da garota que se sabe jovem e irresistível contra o homem já maduro de muitas conquistas. Inicialmente sedutora e muito segura de si, Gabrielle também se deixará cortejar por um tipo estranho e meio mimado, Paul (Benoît Magimel), cuja primeira aparição em cena denota uma rixa com Saint Denis, anterior mesmo ao envolvimento de ambos com a mesma mulher.

Na cena do lançamento do livro mais novo de Saint-Denis são demarcadas as posições neste jogo: o escritor, acostumado a vários casos extraconjugais, corteja a jornalista na espreita, acertando então o primeiro encontro entre eles; encantada com o charme de Saint-Denis, Gabrielle não perde tempo em aceitar o ingresso na aventura de um relacionamento com um homem mais velho; e Paul, que tinha ido até lá apenas para constranger o escritor com sua presença, acaba tombando com a jornalista, que a partir de então se torna o centro das atenções do bon vivant que sempre tem tudo o que deseja.

Enrolada na disputa de egos entre dois homens, Gabrielle joga seu próprio jogo, se entregando sem restrições à paixão, e acreditando que seus sentimentos são reciprocamente respondidos; ao que Charles reage com a costumeira empolgação de sempre, dizendo tudo que uma garota gostaria de escutar e garantindo que Gabrielle experimente muitas e novas situações; enquanto Paul segue pelas beiradas, estabelecendo diálogos mais honestos com a jornalista e até perdendo as estribeiras quando ela consegue ser ainda mais caprichosa que ele.

Uma comparação que pode servir como parâmetro é pensarmos que Match Point, de Woody Allen, se concentra na mesma linha, debruçando-se sobre um relacionamento confuso que acaba em tragédia e envolve mais pessoas do que o casal em questão, querendo dizer com isso que as conseqüências desse triângulo Charles-Gabrielle-Paul acabarão por afetar algumas outras pessoas ao redor deles, descambando também para uma solução trágica na qual a personagem da jornalista é a única que sai machucada de todos os lados, independente das escolhas que faça. Digamos que no final Paul é o grande vencedor dessa disputa, já que além de vingar-se do desprezo de Gabrielle, ele não apenas se vinga de Saint-Denis como interfere na sua reputação.

Apesar de não aplicar com tanto rigor os preceitos da nouvelle vague, tampouco se pode dizer que este filme não seja tocado por isso: com duas reviravoltas e um final tão inesperado quanto metafórico, Chabrol usa a simplicidade dramática e traz à tona uma história que não apela para nenhum artifício que não seja humano, aplicando luz àquilo que mais fascina, seja na TV, na literatura ou no cinema: o folhetim bem desenvolvido.

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