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Críticas

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Animação francesa cumpre o que promete, mas com ressalvas que tiram parte relevante de seu brilho.

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Um Gato em Paris (Une vie de chat, 2010) é um filme sobre a solidão: a de uma garotinha cujo pai foi assassinado e a de um ladrão que atua nas noites parisienses. Dino é o gato de Zoé, a menina solitária e calada. Quando cai a noite, ele passeia sobre os muros até a casa de Nico, o ladrão, para poder auxiliá-lo quando este sai para realizar seus roubos. A figura do animal, portanto, ata as pontas, une as personagens e estabelece um diálogo com a vida fracionada que as grandes cidades oferecem. Além dos temas, os desenhos de traços influenciados pela arte pictórica do século XX, principalmente no que tange a imagens que diluem a perspectiva (teto e chão por vezes se confundem dentro do quadro), despertaram a atenção da crítica para este trabalho, que levou cerca de cinco para ficar pronto.

Existe na animação de Alain Gagnol e Jean-Loup Felicioli uma relação forte e saturada entre todos os elementos que aparecem enquadrados. Tanto na casa da menina quanto na do ladrão, por exemplo, são muitas as imagens de peixes estampadas em quadros e tapetes, talvez por uma necessidade de sugerir, de dizer que Dino sente-se “acolhido”, atraído pelos ambientes. Outra coisa interessante é a maneira, também sugestiva, como Nico se desloca. Seus movimentos são extremamente plásticos, seu corpo mostra ser dotado de uma maleabilidade felina, que é bastante útil ao seu “trabalho”. Sendo assim, a figura de Dino é a articuladora, o ponto de partida de uma aventura que irá envolver, além de Zoé e Nico, um grupo de gângsteres liderado por um criminoso chamado Victor Costa, que é, coincidentemente, o assassino do pai da garota, que – assim como Jeanne (a mãe) – era um policial.

A intenção dos realizadores, segundo suas próprias declarações, foi criar um trabalho que atraísse, além das crianças, um público cinéfilo engajado, que, por sua vez, conseguisse encontrar as referências a clássicos filmes de gângsteres, como Cães de Aluguel (Reservoir Dogs, 1992). Quando Zoé está seguindo seu gato sobre os muros do bairro para saber o que ele fazia todas as noites, ela acaba presenciando uma anedótica discussão entre os bandidos a respeito dos nomes que teriam de usar durante uma operação cujo objetivo seria roubar uma preciosa obra de arte. Evidentemente, uma alusão ao filme de Quentin Tarantino, que funcionou bem, uma vez que não surgiu como uma simples colagem, que apenas deixaria o filme mais cool. As referências ganharam significados pontuais de acordo com a história, com o tom, com a finalidade do trabalho. Assim, as alusões soam naturais e não dão à animação a qualidade de mural fajuta.

Mas seria então Um Gato em Paris um bom filme? Até certo ponto. O problema é que, apesar desse interessante e autóctone investimento, das boas ideias, do trabalho manual, do privilégio dado às imagens, tudo acontece de maneira calculada. O que o longa da dupla de diretores franceses  tem a oferecer é facilmente reconhecível, mesmo antes de assistirmos a ele. Não estou me esquecendo de que se trata de uma animação tradicional e de que deve ser comedida, acessível ao público infantil. Contudo, ele simplesmente começa e termina abruptamente, de maneira que seu clímax sofre um intragável baque. Talvez seja o fruto de justificável fleuma francesa, mas é inevitável dizer que às vezes as coisas se desenrolam de uma maneira pouco convidativa, porque o filme, apesar do foco e da agilidade, que garantem bons momentos, é um pouco fechado, ensimesmado, e parece que foi feito apenas para contar mais uma história e para mostrar que os franceses entendem do assunto. Fica subentendida, portanto, certa artificialidade, já que a obra parece ter sido talhada para receber os elogios que realmente lhe foram conferidos. Aparentemente, houve uma programação que antecipou a reação da crítica e do público. É evidente que a engrenagem do mercado funciona assim, mas vejo neste trabalho – que faz bonito na recuperação da tradição do desenho feito a mão e da simplicidade do 2D – mais boa intenção que execução. Ele é bastante fluido e não manda mal no timing, mas deixa no ar uma sensação de incompletude advinda justamente dessa preocupação mais estética que acaba tirando um pouco do brilho da própria história – que termina por ser um pouco apática. Tem charme, mas isso não é suficiente para segurar as pontas.

Portanto, Um Gato em Paris parece mesmo ser muito daquilo que dizem a seu respeito, mas não sei até que ponto ele funciona como um filme que mostra serviço, eficaz em termos de narrativa. Tenho minhas dúvidas com relação ao perfil de eficiente transeunte que passeia pelo gosto adulto e infantil que pintam por aí. Ele deixa claro que não quer ir muito além das imagens e do simples levantamento de temas em decorrência de sua fragilidade. Compreendo, claro, as limitações (de tempo até), mas é característica marcante das boas animações superar com característica destreza muitas barreiras. Talvez o tempo me mostre o contrário, talvez os critérios que aponto não tenham sido, de fato, prioridade para seus criadores, mas por enquanto fico com a impressão de que Gagnol e Felicioli deixaram algumas coisas interessantes em segundo plano e vieram apenas, como já disse, angariar este lugar ao sol destinado aos filmes inteligentes, porém encerrando, um tanto paradoxalmente, sua obra profundamente nela própria. Todavia, isso não quer dizer que não foram competentes, que a molecada – e os mais velhos também – não possam ter uma boa sessão. Minha noite, por exemplo, foi salva das atrocidades que rondam o circuito.

Comentários (2)

Douglas Braga | segunda-feira, 23 de Julho de 2012 - 22:15

A crítica ficou prolixa demais (principalmente o último parágrafo).

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