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Críticas

Cineplayers

A história de amizade entre dois dos principais ícones da Nouvelle Vague francesa.

6,0

Durante o Festival de Cannes de 2010, surgiu um pequeno burburinho – no Brasil e na Croisette – de que o júri não deveria oferecer a Palma de Ouro este ano, em resposta à prisão do cineasta iraniano Jafar Pahani. Uma ideia totalmente sem propósito, como se pode ver pela recém-libertação do mesmo, em parte justamente pelos protestos dos vencedores Apichatpong Weerasethakul e Juliette Binoche, mas que nos levou de volta a 1968 quando as revoltas crescentes na França fizeram Jean-Luc Godard e François Truffaut liderar as manifestações no Festival que culminaram no cancelamento daquela edição.

1968 foi bem atribulado nos bastidores do mundo cinematográfico francês, com a demissão do mítico  Henri Langlois do comando da Cinemateca Francesa e a ruptura entre os jovens diretores e artistas e o Ministro da Cultura da época, André Malraux, antes um dos principais defensores da Nouvelle Vague.

Outra ruptura importante que estava em curso era entre Jean-Luc e François. Dois grandes amigos, que começaram como cinéfilos nas cadeiras da frente da Cinemateca, viraram críticos da Cahiers du Cinéma e quase simultaneamente passaram para a direção de filmes no final dos anos 50, se tornando os principais nomes do movimento que revolucionou o cinema no mundo inteiro. Mas nos anos 60, a carreira deles começou a tomar caminhos distintos: Godard indo para um lado mais revolucionário e político, uma maneira de expor o que estava acontecendo na França e no mundo naquele instante; enquanto Truffaut via no cinema uma maneira de fazer uma poesia no sentido mais doce da palavra, embelezando os quadros e tendo um ritmo muito mais suave, sem nunca levar problemas políticos para as telas. Se no início eram apenas diferenças de linguagens, logo começou a virar uma oposição direta. Enquanto Godard chamava o cinema de Truffaut de nulo e distante do mundo, François acusava Jean-Luc de querer fazer mau uso dos dispositivos lhe dados, culminando numa ruptura oficial em 1973.

É essa história de amizade, militância e ruptura que permeia Godard, Truffaut e a Nouvelle Vague, que estreou no Festival de Cannes do ano passado, não coincidentemente 50 anos depois do lançamento do movimento com as estreias de Os Incompreendidos e Hiroshima Mon Amour, causando um rebuliço sem precedentes. No momento em que cobre aquele festival, o filme revela o seu melhor e pior aspecto. Enquanto mostra imagens maravilhosas e pouco conhecidas, ele se fecha completamente nos filmes de Godard e Truffaut para explicar toda a revolução cinematográfica em curso, o que acaba gerando um resultado estranho para os que já conhecem um pouco sobre o movimento.

Isso tem um pouco de lógica considerando o título original, Deux de La Vague, mas não parece de bom tom ignorar completamente o trabalho dos companheiros Eric Rohmer, Jacques Rivette, Claude Chabrol, Agnes Vardà e Alan Resnais, mesmo esse último passando a largo do movimento.

A história segue um tanto burocrática e simplesmente biográfica, não à toa, considerando que o roteirista é Antoine de Baecque, escritor de um livro sobre a Cahiers Du Cinema. O que marca portanto o longa-metragem são as fartas imagens de arquivo da qual ele se utiliza. A cobertura de Cannes em 1959 é um grande exemplo disso, com imagens de Truffaut e o pequeno Jean-Pierre Leaud (protagonista de Os Incompreendidos e ator-feitiche da Nouvelle Vague) passeando pela Riviera, dando entrevistas e curtindo o tratamento superstar no Festival.

Outras imagens de bastidores dos filmes, entrevistas e alguns momentos-chaves do longo ano de 1968 deliciam os cinéfilos, assim como a história da maior colaboração entre eles, o curta Une histoire d’eau, realizado a partir de imagens que François Truffaut filmou a partir de uma enchente em Paris, mas deixou de lado. Godard portanto, pegou todo o material, editou e narrou, dando um toque pessoal a todas aquelas imagens realizadas por seu então parceiro.

O que faltou certamente para Godard, Truffaut e a Nouvelle Vauge foi uma tentativa mais crítica de abordar o assunto. Ele se banca apenas pelas imagens históricas e lhe faltam mais depoimentos de críticos, e personalidades da Nouvelle Vauge, sejam os diretores – com exceção de Truffaut, todos estavam vivos ainda, por que não procurá-los? –, atores etc. Tanto se falou de Léaud por exemplo, mas pouco se viu dele hoje em dia. Enquanto isso, alguns tiques comuns aos documentários são fartos, como reconstituições de cenas inúteis e  imagens de cobertura. Algo que poderia ter criado um documento muito mais definitivo sobre uma das duplas mais importantes da história do cinema.

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