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Gran Torino

(Gran Torino, 2008)
8,2
Média
1042 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

O que há de mais belo em Gran Torino é a sua música-tema e não sua história esquemática.

5,5

No último ano do governo George W. Bush, Hollywood abraçou as histórias sobre intolerância, choque cultural e principalmente a relação ocidente/oriente. Se por um lado o engajamento político traz obras mais reflexivas e importantes para a sociedade contemporânea, principalmente por proporcionar uma autoanálise por parte do povo norte-americano, por outro causa a repetição de mensagens e estabelece o esgotamento de certas fórmulas.

Gran Torino tem méritos, mas justamente a fórmula empregada por Clint Eastwood não é eficiente a ponto de trazer algo novo ao espectador, oferecendo, ao final, um reciclado de críticas sociais e de transformações pessoais já vistas e revistas no cinema. Walt Kowalski, interpretado pelo próprio diretor, é um veterano de guerra da Coreia que age, anos depois, com a dureza de quem viu de perto horrores e não consegue superar traumas vividos na época da batalha. Ranzinza pelo desanimo com a vida, o mau-humor de Walt só piora depois que sua esposa falece e sua vizinhança passa a ser, cada dia mais, composta por chineses, tailandeses e por pessoas da etnia Hmong, como seus vizinhos. O veterano combatente de guerra se vê forçado a conviver com os imigrantes para não se isolar do mundo ao seu redor, já que seus filhos não possuem uma boa relação com ele e preferem vê-lo em uma casa de repouso.

Um diretor experiente e competente como Clint Eastwood comete em Gran Torino erros injustificáveis e negativamente surpreendentes na condução da trama, dividindo com o roteirista Nick Schenk a responsabilidade pelos defeitos do longa. Gran Torino não foge das velhas fórmulas - muito exploradas - de transformação do personagem principal no tocante às suas crenças e atitudes e também no modo como desenvolve o convívio entre Walt e seus vizinhos do oriente, evidenciando desde o princípio o caminho óbvio que o longa irá percorrer até seu desfecho não menos original.

Além de fazer parte de uma fórmula pronta para agradar e, claro, emocionar as massas carentes de referências heróicas, Gran Torino é fraco também em seus simbolismos. A sequência final, por exemplo, sugere de maneira pobre o martírio de um salvador ao traçar uma referência histórica de mau gosto com a Bíblia (como se o personagem deitado na grama estivesse crucificado). E isso não por remeter a Cristo como salvação dos homens, mas sim pela pobreza da escolha.

O problema maior é que o filme não é apenas óbvio em seu desfecho e na transformação de Walt como também em passagens que dão continuidade à lógica narrativa. Não é tarefa complicada perceber tudo o que ocorrerá a partir do momento em que o garoto Thao, vizinho de Walt, entra em uma viela ao retornar de seu trabalho. A sequência rapidamente se desenha na cabeça do espectador que, sem dificuldade, antecipa os caminhos pelos quais a história rumará até o momento final. Assim, Gran Torino torna-se uma experiência óbvia, pois não surpreende e parece não querer sair de seu simplismo narrativo, mesmo que visualmente seja mais bem trabalhado.

Outro momento que ilustra a obviedade e fraqueza de parte das cenas é quando Walt está reunido com Thao, a irmã dele e uma amiga da dupla para um almoço em sua casa. A garota conta sobre o convite feito pelo rapaz para um jantar após uma sessão de cinema e, em seguida, a irmã de Thao intervém: “...mas eles vão de ônibus”. Talvez, seja essa a fala mais dispensável do longa e funciona como uma deixa risível para Walt oferecer o seu Ford Gran Torino ao rapaz. A maneira como a cena foi construída retirou a emoção que o momento poderia carregar. Com problemas constantes como esse, Clint vai empobrecendo seu filme, por tirar dele o que poderia ter de melhor.

Junta-se à obviedade do enredo e aos simbolismo fracos, diversos clichês que permeiam o andamento da história. Nenhuma passagem tornou-se mais engraçada, no momento mais impróprio para isso, do que a cena na qual Walt está na casa de seus vizinhos e a irmã de Thao chega machucada. A câmara instantaneamente procura o personagem de Clint a fim de registrar sua revolta, fecha a imagem em sua mão para, segundos depois, captar a lenta queda do copo que Walt segurava. Soma-se a essa passagem, a penúltima cena de Gran Torino, quando o filho de Walt e sua família entregam todos os "segredos" a serem revelados na sequência, por maio óbvio que já fossem, por meio de suas feições caricaturais, exprimindo uma falsa ansiedade e esperança.

Não soam bem também os curtos monólogos do personagem principal. Por mais que se leve em conta o fato de ser um homem de idade avançada, solitário e que, sem ninguém para conversar, resolve desabafar consigo próprio, depõe contra o filme essa mastigação de seus significados para o público, colocando na boca de Walt conclusões que deveriam ser tiradas por quem assiste ao longa. “Eles têm mais em comum comigo do que minha própria família”, conclui Walt em visita à casa de seus vizinhos. Pena que essa era justamente a ideia que se construía com eficácia na mente do espectador sem a necessidade de nenhuma ajuda externa. Salva mesmo a sempre competente composição de Clint Eastwood, que se entrega à idade sem medo e consegue tornar uma figura aparentemente repugnante como Walt Kowalski em um ser sensível e humano.

Gran Torino não chega a ser realmente fraco porque ainda consegue expor importantes mensagens de tolerância e aceitação do diferente, mesmo que não fuja do caminho mais fácil para isso. Os Estados Unidos ainda são um país que precisa aprender a ver outras culturas e o consequente choque cultural de um mundo globalizado pelo viés humano e não econômico. Nesse sentido, qualquer retrato que sirva para mostrar a necessidade da compreensão de que os problemas não são consequência do convívio forçado - ou voluntário - de costumes e crenças diferentes, mas sim da visão preconceituosa em relação ao outro, terá sua valia se souber ao menos transmitir seu recado com o mínimo de eficiência e isso, ao menos, Gran Torino consegue.

E não é apenas coincidência em época de crise econômica um filme com um personagem que defende a indústria automobilística norte-americana, representada pela Ford, em detrimento de uma fábrica japonesa. Walt não se conforma com o fato de seu filho não ter comprado um automóvel produzido no país, em um pequeno exemplo de protecionismo à indústria local. No que diz respeito ao filme, e não a sua mensagem, há algo de realmente belo no novo trabalho de Eastwood: a música-tema que leva o mesmo nome do carro modelo 1972 de Walt, composta por Jamie Cullum a partir de direções dadas pelo próprio cineasta. Antes o filme fosse tão singelo e tocante quanto a sua música.

Comentários (2)

Elly S.P. | terça-feira, 16 de Janeiro de 2018 - 00:38

Meu Deus, tive de me cadastrar aqui só pra comentar o quanto sua crítica sobre esse filme me representou!!! Acabei de ver Gran Torino, com uma baita expectativa por tudo que já tinha ouvido falar dele e.... me decepcionei e não foi o pouco. Tudo o que li no seu texto é extamente o que acho kk Não entendo o que o resto do mundo achou de bom nessa película :/ mas enfim, pelo menos estou feliz de não estar sozinha no mundo 😂👍

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