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Críticas

Cineplayers

O mundo de acordo com Sang-soo.

7,0

O sul-coreano Hong Sang-soo ocupa hoje um lugar de destaque após ganhar o Un Certain Regard em Cannes por Hahaha em 2010 e o Leopardo de Ouro em Locarno por Certo Agora, Errado Antes em 2015. Em 2017, Sang-soo lançou Na Praia à Noite Sozinha, fruto de uma crise conjugal que parece ter sido um divisor de águas em sua carreira. E Grass, simples, conciso e sem suas experimentações narrativas habituais parece ser filho quase que imediato do trabalho anterior.

Afeito a histórias de informações confusas ou mal-interpretadas, metanarrativas, duplos, falsas perspectivas e recomeços, Sang-soo dessa vez coloca a protagonista de Na Praia à Noite Sozinha, Kim Min-hee, como A-reum, que em um café em Seul ouve a conversa de seus frequentadores e as interpreta em uma espécie de diário em seu computador, onde imagina o que as pessoas sentem após as discussões. 

Tematicamente, Grass pode ser incluído entre os filmes mais sombrios do diretor: boa parte dos personagens centrais carrega consigo histórias de morte, tentativas de suicídio, depressão e sensação de não-pertencimento. Os diálogos são todos baseados em frustração, sejam nas acusações nascidas do ressentimento, a sensação de culpa dos personagens pela vida imperfeita que levam ou mesmo as ajudas e pedidos recusados entre estranhos. 

Mais um filme do diretor em preto e branco, Grass confirma a falta de realismo no cinema de Sang-soo, mesmo que o pratique em certo nível. Todos os personagens dizem trabalhar com cinema, teatro ou literatura mas nunca testemunhamos nenhum deles exercer o ofício. Estão sempre em bares, compartilhando experiências através da palavra, não oferecendo a visão de um mundo mas a interpretação de um. Todos fumam, bebem, discutem, gritam e se frustram, invariavelmente. 

O quase-realismo se deve à maneira que Sang-soo sempre filmou: os longos planos onde cortes são substituídos por movimentos de panorâmica e zoom. A temporalidade não é a da ação fluida, mas real, cheia de silêncios e hesitações, onde o drama floresce a olhos vistos do espectador cúmplice. Dessa forma, o diretor consegue arrancar de momentos simples uma cadência hipnótica obtida principalmente do pós-conflito: após intensos debates, personagens observam plantas enquanto fumam, sobem e descem escadas compulsivamente, andam a esmo pelas ruas curiosos pelos sons da cidade.

A simplicidade dá ao filme uma força circular de conto, começando e terminando no mesmo lugar após uma jornada percorrida. Uma jornada baseada em personagens vagantes, situações cotidianas e desenho dramático simples, onde o diretor insere seu controle cênico singular e rigoroso. 

Sang-soo não parece ver seus personagens exatamente como criações independentes, mas meta-narradores. Aqui o recurso de narração diegética (de dentro do filme e não de fora) é ampliado pelo uso constante de música clássica, que intensifica e comenta as cenas quase que de maneira tão clara quanto o texto ditado na narração de Min-hee. Uma integração autor-personagem que sempre foi atrativa e deságua aqui em um dos finais mais bonitos de sua filmografia, unindo observadores e agentes ativos e nos dando certeza que um Sang-soo menor ainda é produto legítimo de um diretor dono de um cinema tão único.

Filme visto no Festival de Cinema do Rio de Janeiro

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