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Críticas

Cineplayers

O êxtase de Céu.

6,5

Hemel significa céu em holandês. É o nome da protagonista que dá título ao filme. Acompanharemos céu por incursões em camas com diferentes homens, objetos de seu prazer quase urgencial. Seguir seus passos e suas discussões elaboradas como amparo à sua satisfação mantém a curiosidade da história, sempre cadenciada e ousada, contada em capítulos cujos títulos são auto-explicativos, fragmentos diários de seus envolvimentos afetivos. O céu, lugar simbolicamente atingido quando chega ao orgasmo, é seu paraíso particular em terra, possível, real. A garota percorre as ruas de uma cidade na Holanda se chocando com diferentes pessoas, quase sempre ligadas à classe alta européia, e se debruça em cortejos neste filme que beira o erotismo, enquanto é embalado por uma trilha sonora amena, generosamente melancólica.

A relação imposta pelo roteiro sobre a sexualidade da protagonista com a sexualidade de seu pai é fecunda, funcionando como alusão à sua criação desde pequena, conforme contada em um dos capítulos. O furor sexual da garota, seja nos bares onde passa algumas noites atrás de alguém que lhe satisfaça ou em festas quando discute o prazer, questionando a valia religiosa que reprime o desejo, denota a tipificação dessa personagem sedenta e agressiva, agindo com o estigma do sexo masculino. Em uma das cenas, ao sair com um argeliano a quem chama despreocupadamente de Mohammed – afinal, o nome ou quem é pouco importa, mas sim a oferta sexual da figura varonil –, fica notória sua personalidade que a aproxima do sexo oposto, quando não quer receber carinhos do amante após o gozo. Como metáfora em defesa, discute a cópula dos leões.  

Ao acompanharmos a jornada de Céu, muito bem vivida por Hannah Hoekstra, presenciaremos graças aos olhares e facetas da atriz seu sofrimento frente a sua condição que lhe traz prejuízos. Entregue a prazeres sem métodos, mas a características dos parceiros, ela mergulha em todas as propostas, seja com relação à depilação de pelos pubianos ou ao sadomasoquismo que lhe rende hematomas, onde embora sofríveis, são revelados como troféus por mais uma transa. Sexualmente adicta, sua composição é fomentada pela relação com o pai, com quem vive um complexo de Édipo berrante. Ela vive igualmente a ele. Sua ligação com o patriarca (Hans Dagelet) é estremecida quando este lhe apresenta uma nova namorada, alguém que levará para morar na mesma casa, renunciando a rotina por tantos anos vigorada.

Hemel (idem, 2012) é um drama sobre sexualidade, identidade, dependência e co-dependência. Se aproxima do recente Shame (idem, 2011) pela proposta, mas é com o espanhol Diário Proibido (Diario de una Ninfómana, 2008) que ele faz coro. Dirigido pelo holandês Sacha Polak, o longa é visualmente bonito e com uma fotografia lúcida. Ele também é pontuado por boas atuações, sobretudo com Hoekstra que se expressa bem com olhares. A narrativa não segue uma lógica, igualmente sua protagonista, modelada por sensações e eventos cotidianos, desconstruída psicologicamente. E sobre a vulnerabilidade de sua estrela, o roteiro exprime a incapacidade de mudanças e readequações, propostos no diálogos, e perguntas que ficam como sugestões. Por exemplo a cena em que Céu conta sobre um garoto que cometeu suicídio recentemente, pulando de um prédio. Ninguém pareceu ouvir.

Visto na 36º Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

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