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Críticas

Cineplayers

Filme de atrizes.

7,5

Histórias Cruzadas (The Help, 2011)  tem, acima de tudo, a qualidade de reunir magistrais interpretações. Ao escrever, há dois anos, sobre Dúvida (Doubt, 2008), fiz a seguinte reflexão sobre Viola Davis, intérprete da mãe do garoto central da história. “A forma contundente e carregada de emoção com que confessa pensamentos e divide segredos íntimos com a freira abala o espectador, que passa a entender a complexidade sem tamanho de tudo o que vem ocorrendo até ali”. Exatamente as mesmas palavras se aplicam à atuação dela como a empregada doméstica negra Aibileen Clark. Basta trocar “freira” por jornalista.

Viola, repetindo palavras antigas, “é completa”, desta vez amargurada pela segregação racial ainda latente nos Estados Unidos. Durante os anos 60, começava a efervescência na luta pelos direitos de igualdade racial. E a trama de Histórias Cruzadas vai nesse sentido, de forma mais superficial.

Menos contida do que Viola, Octavia Spencer interpreta outra empregada doméstica, Minny Jackson. Sua personagem segue o velho script da injustiçada, que se vinga e é contratada em outro lar (superação) no qual viverá uma realidade diametralmente oposta. Ela reluta em colaborar no livro condutor da trama, mas cede. Ou seja, sua personagem poderia ser estereotipada caso Spencer não brilhasse. Assim como Viola, arrebata o público ao protagonizar cenas sensíveis – como as finais.

Entre os personagens-padrão, está a patroa branca liberal Celia Foote, vivida por Jessica Chastain. A atriz teve ano inspirado ao também protagonizar A Árvore da Vida (The Tree of Life, 2011). Cabe a ela o papel da branca pertencente às classes mais abastadas que, diferente das colegas, rejeita a condição de superioridade. Celia surpreende até mesmo Minny ao sentar na mesma mesa que ela ou quando lhe dá grande abraço no momento da contratação. O problema dos estereótipos é superado pelas intérpretes.

Muito bem também, mas esquecida pelos prêmios, Emma Stone vive a jornalista Skeeter, responsável por transpor para o papel a história daquelas mulheres. Ela se propõe a publicar o que elas pensam, sonham e almejam, enquanto o restante da sociedade só as enxerga quando precisa usá-las para tarefas mais árduas – cuidar dos filhos faz parte dessa lista, por exemplo.

Com o título de The Help, o livro traz diversos sentidos. De pessoas semi-escravizadas tratadas como ajuda pelos brancos. Da necessidade de ajuda por mais direitos civis, alguns simples, como não serem obrigadas a usar banheiro externo exclusivo. E, também, como o próprio auxílio dado por diversas empregadas ao livro de Skeeter mesmo com medo de represálias.

Em inglês, por sinal, o filme tem o mesmo nome. Em português, entretanto, alguém teve a esdrúxula, injustificável e horripilante ideia de dar o tosquíssimo título de “Histórias Cruzadas”. Era preferível que se mantivesse a coerência e o batizasse, assim como na versão das legendas, de “A Resposta”. Faria mais sentindo e seria um título mais atraente.

Histórias Cruzadas se sobressai pelas grandes interpretações. O roteiro é por vezes raso, incapaz de sair do didatismo emoção/riso em horas marcadas e de personagens superficiais e unidimensionais. Sobrevive pelas profundas interpretações do elenco, consciente de que o segredo para o sucesso do filme era tornar as personagens reais e próximas do cotidiano do público. Assim, mesmo com as patroas brancas parecendo megeras, ou completamente boas como no caso de Celia, em um desnecessário maniqueísmo entre conservadores e liberais, as mulheres (a figura masculina é quase inexiste) se tornam convincentes graças às intérpretes.

O roteiro, além do mais, contém subtramas pouco necessárias, como a da gravidez de Celia Foote e a do relacionamento de Skeeter. Elas servem apenas para ilustrar comportamentos da época (a mulher que não pode dar filho ao marido ou a independente pressionada pela mãe). Pouco para o drama social possível.

O problema é que Histórias Cruzadas aborda o pesado tema da segregação racial na extrema conversadora Mississipi, mas não abre mão de no fim das contas ser um feel-good movie. A região foi berço da Ku Klux Klan – organização que perseguia com violência os negros -, mas o tema é contextualizado superficialmente, assim como as rápidas referências a Martin Luther King. Ou seja, joga-se para o espaço qualquer questão política, mesmo com o mote sendo a vontade da jornalista Skeeter de, pela primeira vez, contar a história de quem era marginalizado pela sociedade.

Apesar do roteiro sem criatividade e com situações esperadas, a história tem êxito dentro de sua proposta limitada, e assim se torna tocante. É puro entretenimento, que chegou forte na temporada de prêmios norte-americana em função, desculpe a redundância, das interpretações. Deleite-se admirando Viola Davis, Jessica Chastain, Octavia Spencer, Emma Stone e companhia. Sem elas, Histórias Cruzadas passaria batido.  

Comentários (20)

Rafael Cormack | terça-feira, 14 de Fevereiro de 2012 - 13:16

Concordo com o pessoal que disse que a Octavia Spencer roubou a cena. A Jessica Chastain também mandou bem demais... E o filme é legalzinho, sim.

Dnic Lima | quinta-feira, 01 de Março de 2012 - 00:53

Adorei o filme, a Octavia roubava todas as cenas, estav impecável, o Oscar foi mais que merecido.

Eduardo Laviano | sexta-feira, 02 de Março de 2012 - 21:55

Não sei se a minha mente está muito rasa ou se, simplesmente, não sei nada. Eu achei a crítica simples. Escrevou o que ficou, provavelmente, óbvio quando todos viram o filme! Eu adorei a produção e as atuações realmente nos fazem esquecer do quão superficial é a história. Eu achei comovente, mas não um filme para marcar a história do cinema. E quanto Emma Stone, Jessica Chastain e Octavia Spencer: espero vê-las em muitos filmes daqui em diante! E Viola está espetacular, como sempre. A acho um máximo e preferia ela a Meryl Streep para vencer Oscar. Por favor, guardem as pedras!
😉

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