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Holiday

(Holiday, 2018)
7,2
Média
6 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Superfícies limpas

9,0

Há um plano em Bling Ring: A Gangue de Hollywood (The Bling Ring, 2013) em que somos convidados a observar à distância o assalto à mansão de uma celebridade. Na imagem, vemos o suntuoso e moderno edifício branco e temos alguma noção do movimento que se dá ali dentro. Há uma perversão do gesto de olhar à distância que aqui se encontra com a própria corrupção desse assalto, perpetrado por adolescentes ricos, moradores da região. Holiday (idem, 2018), filme dirigido por Isabella Eklöf e ambientado na Turquia, nos leva de volta para um lugar muito próximo dessa dupla perversão.

Sempre às voltas desses espaços habitados por uma alta classe média, Holiday apresenta Sascha (Victoria Carmen Sonne), namorada de um traficante de colarinho branco, Michael (Lai Yde), que ocupa uma mansão na praia de Bodrum, na Turquia, durante um feriado prolongado. Sascha é vista bebendo diversos coquetéis à beira da piscina, deitada letargicamente na cama do quarto de Michael ou silenciosamente presente nos terraços, restaurantes e casas de festas por onde seu namorado e amigos circulam.

Como nas ambientações urbanas de Sofia Coppola – ou mesmo como nas mais ridicularizadas habitações da burguesia francesa na obra fílmica de Jacques Tati –, Holiday se define por uma estética do que é demasiadamente limpo. Neste caso, trata-se de uma limpeza imoral, no que o próprio universo dos personagens aparece como uma perversão econômica e estética. Isso atravessa não apenas os espaços do filme, mas também as suas performances. Há algo de perturbador, afinal, no modo como o corpo de Sascha se adequa, ou é forçado a se adequar, a uma norma – de gênero, desses espaços ou de um contexto maior em que se insere. E a atriz realiza muito bem essa constante tensão no comportamento da personagem e seu contínuo desconforto.

A Sascha de Carmen Sonne é como uma Maria Antonieta contemporânea. Sua Versalhes são esses espaços e visualidades da branquitude moderna: lustrosos, falsamente higienizados e de cores claras. Por outro lado, podemos pensar essa personagem também como as esposas da máfia dos filmes de Martin Scorsese – figuras como a Sharon Stone de Cassino (Casino, 1995) ou a Margot Robbie de O Lobo de Wall Street (The Wolf of Wall Street) – tornadas protagonistas: sua experiência de tédio, consumo e violência sempre em cena.

Essa é, enfim, a experiência de um verão vivido nos interiores da praia (em iates, mansões, restaurantes e boates). E Holiday é, nesse sentido, bastante sobre o mundo interno dessas figuras. E aí o resultado é um filme de máfia interiorizado, levado para dentro desses espaços de domesticidade e frivolidades. O que uma mulher nessa situação faz dos seus dias? O que ela espera? Como e onde ela espera? São essas as perguntas que parecem interessar a diretora quando Sascha está em cena.

E nós assistimos a sua espera, a sua prolongada experiência de descontentamento, como observadores à distância. Somos colocados nesse lugar por uma composição de cena mais distanciada do filme, o que termina criando certo humor pelo modo como esse regime de visualidade se configura. O que chamo aqui de humor funciona muito ao modo das produções de Tati, em que a arquitetura da classe média e a relação da classe média com a arquitetura são inerentemente cômicas. Em Holiday, parece haver alguns quadros saídos de Playtime – Tempo de Diversão (Playtime, 1967) tamanha a semelhança entre as construções de cena.

É interessante ver a que medida Holiday consegue perverter as imagens produzidas por esse arquivo e o quão longe Eklöf consegue ir na repetição desses espaços de suntuosa clausura. A predileção pela superfície produz aqui uma radicalidade formal que é muito interessante e ainda enfaticamente reiterada pelo discurso do filme. Será que se encararmos essas superfícies brancas por tempo o bastante podemos descobrir as manchas de sangue que foram limpadas para fora delas? Holiday nos conduz em direção a essa possibilidade.

Comentários (1)

Herbert Engels | segunda-feira, 25 de Maio de 2020 - 10:31

Talvez por que eu ja vi e revi a filmografia desses caras, mas eu simplesmente não consigo mais gostar dessas crias de Trier/Haneke.
A proposta de fazer um episodio da Família Soprano no melhor estilo de A Fita Branca é bacana mesmo só que putz cara... cinema dos vazios com aquele temperinho de pretensão existencialista europeia.

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