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Críticas

Cineplayers

Um jogo frio entre signos e ações.

8,5

Os planos inicias, em que aparecem os créditos do filme, já denunciam qual será a essência de O Homem ao Lado (El Hombre de Al Lado, 2009): a tela dividida ao meio verticalmente mostra os dois lados de um buraco sendo feito em uma parede, o dentro e o fora. Campo e contra campo frontais dos golpes de marreta derrubando os tijolos.

A parede em questão é da casa de Victor, vizinho de Leonardo. A relação dos vizinhos segue o jogo de contrastes enunciado pelos primeiros planos. Leonardo é um designer sofisticado e reconhecido internacionalmente, mora junto com a esposa e a filha na única casa da América Latina projetada pelo arquiteto modernista Le Corbusier. Cada móvel e a decoração de sua casa transpiram elegância. Seu vizinho, Victor, por sua vez, é um homem bronco, de vocabulário chulo e gostos populares. Enfim, temos a relação de um homem do mundo dos signos (Leonardo), para quem cada objeto ou gesto representam um mundo simbólico e extremamente codificado: do quadro de Che Guevara cor de rosa pendurado no quarto da filha, da maneira politicamente correta e hipócrita de lidar com a empregada, passando pelo conteúdo poliglota do website pessoal; com um homem do mundo das ações (Victor), de pura potência: que faz sexo exibicionista, dança na festa, diz em voz alta o que lhe passa na cabeça, etc. 

Dois mundos que jamais se encontrariam sem a abertura de uma passagem entre eles: no caso do filme, um buraco na parede literalmente aberto com golpes de marreta. Buraco que representa uma janela para iluminar a casa de Victor, e uma desarmonia arquitetônica e uma invasão de privacidade para Leonardo – pois a dita janela teria vista direta para a casa do designer ficando a pouquíssimos metros de distância. Mais uma vez campo e contra campo colocados lado a lado, dessa vez de significados para um mesmo objeto: uma janela.

Pela maneira como o filme faz essas descrições em seu começo, nos instalamos – falsamente, como veremos – no mundo dos clichês. A identificação com Leonardo, que a princípio parece mais do que evidente, vai aos poucos dando lugar a uma desconfiança, a um desconforto com seus valores, a uma repulsa dos seus signos. E isso em hora nenhuma se converte em uma simpatia por Victor, sempre tão bronco. Por isso, aos poucos, os espectadores são jogados em um não-lugar: não é possível escolher entre nenhum dos lados da janela. O impressionante é como essa operação se dá de forma fria, a câmera mantém-se neutra, filmando signos e ações, os dois lados da mesma parede. Assim, os julgamentos morais são deixados para o espectador, de forma sutil, mas gradativamente irrevogável. Já se está irreversivelmente enredado no conflito da construção ou não da janela, quando nos damos conta de que não há possibilidade de tomar partido.

Por isso, as situações, que no começo do filme parecem ser tão engraçadas, começam a ser acompanhadas de um riso nervoso, meio sem graça, a medida que não se sabe mais ao certo do que ou de quem se está rindo. O fato de não haver identificação possível ou ponto de apoio para o olhar, perdido entre o dentro e o fora, joga o espectador para o meio da trama – não mais os valores morais neutros, mas os próprios valores; não mais signos e ações alheios, mas os meus, os seus, os nossos.

Só então entendemos a crueldade necessária à narrativa para filmar frontalmente o campo e o contra campo daquela parede sendo derrubada, no início do filme. Em uma arte dos signos como o cinema, as ações continuam sendo determinantes para a existência de uma narrativa: mesmo que a ação do homem dos signos seja essencialmente uma não-ação e o gesto final que reconcilie símbolo e potência seja o preenchimento de um buraco, a reificação do vazio.   

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