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Homem-Aranha: Longe de Casa

(Spider-Man: Far from Home, 2019)
6,5
Média
180 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

As fake news da Marvel

7,0

"Esse é o pior filme do ano com o Homem-Aranha", disse um amigo da crítica de cinema, com bom humor, à saída da cabine de imprensa de Homem-Aranha: Longe de Casa. Eu prefiro dizer que é o "pior", com aspas, haja vista a dificuldade de superar os outros dois longas-metragens com o super-herói lançados nos cinemas brasileiros nos últimos meses. 

Cheio de cores, texturas, referências de toda sorte, inclusive autoparódias ao legado do Teioso, e uma incrível capacidade de explorar as possibilidades da animação ao desenvolver o conceito de multiverso, Homem-Aranha no Aranhaverso flerta com o status de obra-prima. Vingadores: Ultimato foi um projeto de alto risco que contorna grandes desafios e supre altas expectativas com um fim de saga épico.

Em síntese, Homem-Aranha: Longe de Casa não surpreende em ser uma típica comédia adolescente, cheia de piadas bobas, situações pueris, personagens caricaturais, conflitos inofensivos e romances platônicos. E não ofende, pois se desenvolve com adequação à sua proposta, à versão jovem do personagem criado por Stan Lee e Steve Ditko e ao humor e melodrama característicos do Universo Cinematográfico Marvel. Suas cenas de ação e aspectos técnicos também não assombram, embora mantendo o nível de excelência da franquia e do estúdio e demonstre, esteticamente, um bom diálogo com outras mídias, como o premiado game do próprio Spider. A grande e a grata surpresa do novo filme do Cabeça de Teia é outra: propor uma discussão tão madura, urgente e política em seu subtexto.

Homem-Aranha: Longe de Casa é, portanto, o longa-metragem "menos bom" com o herói lançado no Brasil em 2019. Funciona perfeitamente como um epílogo de Avengers: Endgame e é em si mesmo dotado de muitas qualidades. Aliás, toda essa preocupação em já resumi-lo superficialmente se deve a um trunfo exclusivo da Marvel (esqueçam a Sony): manter os maiores segredos do enredo distantes de sua campanha de divulgação. E com esperteza, dado que usou de enganação no marketing do projeto e emprega esse mesmo truque como um dos temas principais da trama — que tanto gira em torno das palpitantes e perversas fake news. E fico por aqui. Leia o restante após assistir ao filme, ou por sua conta e risco, pois a análise a seguir contém spoilers.

Desde as primeiras cenas, Homem-Aranha: Longe de Casa estabelece sua abordagem cômica sem qualquer cerimônia. Ou, de certa forma, com muita cerimônia. Um telejornal amador apresentado por alunos da Midtown High School é a ferramenta utilizada pelo diretor Jon Watts e pelos roteiristas Chris McKenna e Erik Sommers para, ao mesmo tempo, prestar um afetuoso (e afetadíssimo, muito brega) tributo à memória dos Vingadores recentemente mortos em combate (e o filme não soar como um corpo estranho dentro do todo, o UCM) e adequar essa tragédia ao tom leve de sua sequência. Assim, em seguida, os aspirantes a jornalistas repercutem o "blip", nome dado ao efeito reverso da extinção de metade da população promovida por Thanos (Josh Brolin) no fim de Vingadores: Guerra Infinita. Para um estudante, é lamentável retornar à mesma série após desaparecer por 5 anos, ou voltar mais jovem que seu irmão caçula. Para outros, ainda pior é perceber que aquele moleque chato "digno" de bullying se tornou um homem atlético, bonito, popular e novo colega de turma — o que será um problema para Peter Parker (Tom Holland, firme como o melhor intérprete do personagem no cinema) conquistar o amor de MJ (Zendaya).

Desse modo, Homem-Aranha: Longe de Casa demonstra a mesma habilidade de Homem-Aranha: De Volta ao Lar de conciliar os dramas de um jovem comum — algo peculiar do cânone de Peter Parker — com os "grandes poderes e responsabilidades" de seu alterego. Sem perverter a essência do personagem, e, sim, dramatizando a construção de seu juízo desde a adolescência. Mesmo quando dividido sobre o que fazer, Peter vive em um estado permanente de abnegação da vida pessoal enquanto seus amigos se divertem, se apaixonam e tiram sarro com a sua cara. Como nos melhores filmes do gênero, Spider-Man: Far From Home explora o alto custo do anonimato na psicologia de um super-herói. E se vale muito bem também da catarse inerente à revelação de sua identidade — seja para MJ, seja na espetacular cena pós-créditos que resgata um ícone da trilogia de Sam Raimi e abre todo um conjunto de possibilidades e conflitos para o futuro do Amigão (ou não) da Vizinhança no Universo Marvel.

Esse desfecho é, aliás, o arremate final da Marvel em seu debate a respeito das fake news. Esse problema contemporâneo, causa ou consequência de uma espécie de Mal do Século 21, tem feito enormes estragos, especialmente, na política mundial. A vil tática desenvolvida por Steve Bannon para a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos (e tão bem reproduzida na campanha de Jair Bolsonaro no Brasil) fundamenta todo o eixo de construção do vilão de Homem-Aranha: Longe de Casa. Sai o multiverso que tanto fascina Peter e o fã mais nerd das HQs, entra todo um aparato narrativo e tecnológico de construção de verdades e manipulação da realidade — o que, por sua vez, encantará os entusiastas de ciências humanas e políticas. 

Quentin Beck (Jake Gyllenhaal, muito bem, e à vontade) identifica a carência de toda a humanidade e do Peter Parker em particular após a morte de Tony Stark (Robert Downey Jr.), o Homem de Ferro. Como um bom gênio do mal, ele se aproveita desse momento de crise para conceber todo um universo de mentiras em seu favor, transformando sua figura secundária, sua índole fracassada, na de um novo líder, poderoso, messiânico. Em vez de "Mito", o acolhem com o nome de "Mysterio", que ele adota com satisfação e orgulho. Mysterio é a farsa que a Marvel não soube construir em torno do Mandarim (Ben Kingsley) em Homem de Ferro 3. Não bem. Do ponto de vista narrativo e como julgamento ácido e contundente de um grave estado de coisas global.

Por um lado, o roteiro apela à boa vontade do público na construção dessa reviravolta de Quentin Beck: adota o velho artifício do vilão que discursa sobre seus planos maléficos, exige uma dose de credulidade para convencer que Nick Fury (Samuel L. Jackson) se deixou enganar pela existência de uma realidade paralela (!) e ainda se desenrola de forma confusa (talvez até no intuito de evocar a confusão de Peter, o que ocorre de forma nada prática para o público e para narrativa em si), o que trunca o filme no meio. Quando a trama se assenta, porém, todas essas provocações com o mundo real se justificam e potencializam o desfecho, pela densidade com que evoca a psiquê e os perigos enfrentados pelo protagonista no terceiro ato.

Numa demonstração do uso militar de drones e da realidade aumentada, Homem-Aranha: Longe de Casa articula uma crítica social importante (Black Mirror, é você?!) de maneira cinematográfica. De modo a ampliar suas possibilidades narrativas, com direito a set pieces criativas que atiram o super-herói em diferentes cenários (como que saídas de Homem-Aranha no Aranhaverso), e servindo como um desafio temível convincente para Peter Parker até seu ótimo clímax: um embate final empolgante na Tower Bridge, em Londres. Assim, a Marvel surpreende por não apenas entregar o mínimo esperado — uma peça de entretenimento bacana, como de fato é. Mas em transformar sua franquia mais escapista (uma comédia de ação do Homem-Aranha adolescente) em uma discussão geopolítica global atual, que denuncia o firehosing, e uma projeção alarmante de um futuro próximo aterrador, alertando para uma ameaça ainda mais contundente, pois bélica, contra as democracias. Espantoso. E admirável.

Comentários (3)

Alaki | sábado, 13 de Julho de 2019 - 18:53


Super filme, mas é uma cópia ruim! Eu finalmente assisti o streaming HD deste filme. Eu pensei que alguns de vocês gostariam de assistir também.
Aqui é o site onde eu assisti >>> MOVIESON10,COM

Kennedy | terça-feira, 16 de Julho de 2019 - 23:29

Ótimo texto, exceto na parte que diz que o Homem-Aranha do Tom Holland é o melhor. Não exageremos.

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