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Críticas

Cineplayers

Como os demais filmes de Zack Snyder, uma confusa mistura de religião, militarismo e sexualidade grosseira.

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Como parte da estratégia de divulgação do filme Homem de Aço (Man of Steel, 2013), o estúdio Warner Bros. pôs no ar o site manofsteelresources.com, no qual pastores, bispos, pregadores, evangelistas, crentes e demais religiosos poderão encontrar toda sorte de recursos para facilitar a associação da personagem dos quadrinhos e do cinema com Jesus Cristo. A ideia é aproveitar a popularidade do mais recente filme de Zack Snyder para atrair novos fieis às igrejas, principalmente os mais novos. O site esmiúça todas as semelhanças do Superman com Jesus, que é a base do roteiro – os inúmeros diálogos de inspiração bíblica foram agrupados num .pdf para facilitar os pastores em seus sermões. Tem também arrazoados de um dos principais “intelectuais cristãos” dos EUA hoje, Craig Detweiler, da Universidade de Pepperdine, na Califórnia.

Em entrevista ao Los Angeles Times, o roteirista do filme, David S. Goyer, que, ao escrever a trilogia do Cavaleiro das Trevas, de Christopher Nolan, já havia dado a Batman contornos que poderíamos chamar de “direita”, deixou claro que sua inspiração para o novo Super-Homem é mesmo o Filho do Criador: “Definitivamente, ele é alguém de um outro plano da existência capaz de sacrifícios por uma pessoa ou ao outro”.

O filme começa “cristão” desde o início, com um parto, com o “predestinado”, o último sobrevivente do planeta Kripton, sendo enviado à Terra ao som de hinos eclesiásticos (de Hans Zimmer, em mais um de seus pastichões) e cenas “mater dolorosa”, com a mãe se separando do filho – e vai continuar nesse ritmo de proselitismo religioso até o fim. A nave, como todos sabem, cai numa fazenda do Kansas, e os Kent vão educar o alienígena na mais rigorosa tradição cristã, com Kevin Costner declamando os semi-sermões ao filho desde pequeno. Na cena mais emblemática do filme, Superman vai se confessar e, na igreja, sentado diante do padre, duas imagens de Jesus Cristo estão atrás do ator britânico Henry Cavill, que encarna o super-herói.

Mas Homem de Aço não é, no entanto, uma versão atualizada e anabolizada dos antigos filmes bíblicos que Hollywood faz desde a era muda e teve seu auge em superproduções como Ben-Hur (idem, 1959) e Rei dos Reis (King of Kings, 1961), aproveitando-se dessa onda conservadora dos tempos atuais.  Man of Steel é mesmo um disaster movie, pois Kal-El não vem sozinho à Terra (não dá para contar mais sem soltar spoiler). Na tentativa de dominar o planeta, os alienígenas vão causar muita destruição e judiar de Nova York (ou melhor, Metrópolis). O diretor Snyder concentra sua obra praticamente nas explosões, seja de Krypton, na primeira parte do filme, e a Terra, na segunda, arrasando tudo com violência e histeria desmedidas – o mesmo moto bombástico de Transformers (idem, 2007), de Michael Bay. Mas o disaster movie de Snyder é diferente: o escritor de quadrinhos Mark Waid, na crítica campeã de audiência sobre o filme na internet, classificou o filme de desastre pornográfico (disaster porn).

Zack Snyder filma o corpo musculoso de Cavill com a mesma sofreguidão que exibiu o exército de abdômens de 300 (idem, 2006) – mas com ênfase no peitoral do protagonista, pois Superman agora tem, depois de muita discussão entre a equipe, cabelo no peito, que aparece acima do uniforme, motivo de orgulho para o ator, que muito insistiu para tal. O filme tem a mesma sexualidade vulgar de Watchmen (idem, 2009). No entanto, nada funciona entre ele e a Lois Lane de Amy Adams: os atores não têm química e a cena do beijo resulta constrangedora. Cavill, mau ator, passa o filme fazendo pose e é incapaz de expressar sentimento – ele interpreta com os bíceps, para utilizar a expressão em voga – estranho, há uma impessoalidade; temos a impressão de que os atores nos filmes de Snyder estão lá prioritariamente para exibir o corpo.

As cenas geradas por computador (CGI), ininterruptas, soam um tanto anódinas e sem sentido por conta da estória desinteressante e personagens mal desenvolvidos. Há quem teorize dizendo que, no mundo globalizado, onde os filmes de ação de Hollywood fazem mais sucesso fora do país de origem, os produtores estariam realizando filmes não muito sofisticados no sentido que os diálogos são poucos e curtos, de fácil compreensão, nada de dilemas morais, mas tramas de assimilação imediata, além dessa exibição um tanto artificial do corpo humano, talhado em esteroides anabolizantes, e, claro, de infindáveis cenas de ação, para plateias que não têm o inglês como língua materna. Essa seria hoje a fórmula de sucesso de um blockbuster americano, que Homem de Aço segue à risca e é um dos mais consumados exemplos.

Frio e sem humor, Man of Steel é incrivelmente repetitivo. Vazio, não consegue ser crível nem durante a projeção – em Montréal, muitos risos na plateia por conta das cenas embaraçosas (a pior é quando os soldados “reconhecem” Superman como seu aliado, não inimigo). Há buracos na narrativa, e o salto (Superman aparece, depois de bebê, na cena seguinte com 33 anos, a “idade de Cristo”) é mal tampado com flashbacks desnecessários e redundantes.

Como os demais filmes de Zack Snyder, é um confusa mistura de religião, militarismo e grosseira sexualidade. Em dado momento, o Super-Homem de Snider vai estrangular um vilão e matá-lo com as próprias mãos, logo ele, o adorável caipira do interior, o repórter idealista, o desajeitado com mulheres (tímido quando estava sem o uniforme). Percebe-se aqui uma influência de Christopher Nolan, um dos produtores do filme, talvez uma tentativa de “humanizar” o herói, carregando-o de remorsos, culpas e “franquezas”, como o Cavaleiro das Trevas. Nas mãos de Snyder, além de anti-climática, a cena parece servir apenas como pretexto para mais selvageria, violência e derrisão.

Comentários (128)

Luiz F. Vila Nova | sábado, 19 de Julho de 2014 - 18:03

Revi o filme pela terceira vez para uma análise mais justa, e confesso que o mesmo subiu no meu conceito. O Homem de Aço (2013) é um filme que precisa de tempo e adesão por parte do espectador para funcionar, visto que traz uma nova abordagem para um dos personagens mais conhecidos no mundo todo. A influência da trilogia TDK na obra é bastante nítida, até porque Christopher Nolan é produtor do filme, além de responsável pelo argumento da produção. Percebi ecos de A Árvore da Vida (2011) de Terrence Malick e Star Trek (2009) de J.J Abrams também, tanto na estética como na narrativa. Zack Snyder se mostrou uma escolha adequada para comandar as criativas e ousadas cenas de ação e efeitos visuais da produção, porém pesa a mão na parte dramática, sendo ainda prejudicado por alguns excessos do roteiro e uma montagem irregular, acabando por prejudicar seu resultado final. Mas não se engane, este filme está entre os melhores do gênero na atualidade. E Shannon rouba a cena. 😎

Lucas Nunes | quinta-feira, 27 de Novembro de 2014 - 10:10

Parecia um filme do Michael Bay.

Marcus Almeida | domingo, 02 de Agosto de 2015 - 10:36

"Parecia um filme do Michael Bay."

Nada, parecia um do Snyder mesmo, que eh muito pior.

Marcus Almeida | domingo, 02 de Agosto de 2015 - 11:00

Ah, ja que o Demetrius comentou o cabelo no peito do Superman, ele podia ter falado do cabelinho de imperador romano do Zod, achei aquilo tosco.

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