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Críticas

Cineplayers

Um documentário que discute o ser humano e o seu envolvimento com a natureza de forma duvidosa.

6,0

Toda a estruturação do trabalho do diretor alemão Werner Herzog se baseia na obsessão, seja ela sua mola impulsionadora, seja ela sua matéria-prima. Afinal, consta em seu currículo Fitzcarraldo, provavelmente sua obra mais conhecida, na qual o personagem-título sonhava em construir um teatro no meio da Floresta Amazônica. Entre um desvairio aqui e uma briga com o ator Klaus Kinki ali, Herzog embrenhou dentro da mata um gigantesco navio para rodar uma cena, que acabou com a morte de um figurante.

Não é surpreendente então que Herzog tenha encontrado em Timothy Treadwell o objeto deste documentário. Treadwell, um ator frustrado, ex-viciado em drogas e com alguns parafusos a menos, encontrou um sentido em sua vida no Alasca ao lado dos ursos pardos, aos quais se dedicou, por mais de uma década, a estudá-los, registrá-los e protegê-los. A obsessão de Treadwell para com os irascíveis animais tirou-lhe perigosamente o limite entre a sanidade e a loucura, a sociabilidade e o ambiente selvagem. Obsessão essa que também terminou em tragédia: Treadwell foi encontrado morto junto à namorada Amie Huguenard, ambos devorados pelos animais.

É interessante observar uma linha perpendicular entre Aguirre, A Cólera dos Deuses, outro dos mais famosos filmes do alemão, ainda na década de 70, e este: enquanto no primeiro um homem criado quase como um selvagem é posto à prova, já adulto, em uma cidade, neste aqui Herzog acompanha a jornada de uma pessoa inapta à sociedade que encontra no meio natural uma forma de exorcizar seus demônios. E, pelas imagens mostradas (quase todas filmadas pelo próprio ambientalista, que reuniu centenas de horas de gravação e que foram reunidas pela amiga Jewel Palovak, que as entregou a Herzog e permitiu a realização do filme), Treadwell tinha conflitos por demais a serem apaziguados.

Nesses momentos é que percebemos que não é um filme relacionado à preservação ambiental ou consciência ecológica. É sobre o encontro da identidade e a influência do ambiente sobre ela. E as imagens apresentadas por Herzog levam o espectador a refletir a respeito daquele homem praticamente insano, que muitas vezes discursa implausivamente, que grita, chora, ri como uma criança. São esses os momentos em que o cineasta consegue aproximar seu público ao seu delirante personagem, que não é nem um pouco afável como deveria se imaginar.

Enquanto isso Herzog investiga, através de entrevistas com pessoas que lidaram com Treadwell, a visão externa sobre o seu objeto. Nesses momentos é que o filme perde o prumo e torna-se desinteressante e, algumas vezes, bizarro. O investigador responsável pelo caso, por exemplo, torna-se um ator de terceira linha ao apresentar seus fatos de forma ridiculamente cênica. Ou quando vemos a reação de Palowak ao receber de herança do amigo um relógio. Ou mesmo quando Herzog mostra a si mesmo ouvindo as gravações da hora exata da morte do casal.

Mesmo com esses deslizes, O Homem Urso torna-se um exemplar que se propõe a observar o meio influenciando paradoxalmente a natureza humana. Natureza esta que estamos ainda bem longe de entender.

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