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Críticas

Cineplayers

Jason Reitman esquece a fuga para o dramalhão com retorno ao agridoce mundo das relações humanas em queda virtual.

7,0

Jason Reitman é um cronista do seu tempo, do mundo que o rodeia. Ok, isso é lugar-comum e já foi repetido por todos, admiradores e detratores; não é necessariamente um defeito ou uma qualidade, mas uma característica. Sua capacidade de radiografar comportamentos e aspectos da sociedade contemporânea teria ruído no longa anterior, o infeliz Refém da Paixão, seu ponto fora da curva, de toda ela. Como acordado de um transe ruim, o mais talentoso filho de Ivan volta a seu berço, dessa vez mostrando algo que nem é tão novo assim: a ruptura que os tempos modernos sofreu com o advento da tecnologia.

Há de se tirar benesses de redes sociais e afins, sabendo utilizar com parcimônia e sapiência. E quem o faz assim hoje? O filme Homens, Mulheres & Filhos deixa claro que os problemas já existiam e todos iriam se afastar de qualquer forma; a tecnologia só acelerou o processo. Pais, filhos, amigos, vizinhos, maridos, esposas, a palavra de ordem é individualidade há algum tempo, mas agora ela se transformou quase em grito de guerra, e o que parecia um direito se transformou num dever... e dai para o isolamento passaram segundos. O filme deixa muita coisa clara, mas nenhuma dela é nova ou necessitava de ajuda na conclusão. Para secar o isolamento tecnológico, claro que precisamos nos preocupar com o semelhante (ainda mais se ele estiver dividindo o mesmo teto, ou o mesmo afeto que você) e deixar de lado os excessos. O que Reitman filho faz mais uma vez é humanizar e escancarar uma situação da qual já sabemos o rumo, talvez até o desenrolar inteiro... mas estando nas companhias certas, óbvio que a mensagem fica não somente mais clara, como também muito melhor difundida.

E ninguém pode acusar Jason de estar deitado sobre o fácil. Misturando um elenco de novatos com veteranos não necessariamente de talento comprovado (e repetindo - e voltando a acertar - "o risco" Jennifer Garner), o jovem (ainda?) diretor nos provoca e instiga, desnudando a atriz já citada de qualquer luz, tirando o conforto que a comédia é para Judy Greer cena a cena, arremessando o recém descoberto Ansel Elgort num papel depressivo, revelando vigor em um Dean Norris veterano e acima de tudo, transformando Adam Sandler numa sombra pálida sem qualquer carisma ou histrionismo, um homem distante e de voz introspectiva, o brilho de intérprete insuspeito que só Paul Thomas Anderson tinha sido capaz de atrair. Contando com esse time de personagens nunca expansivos vividos por atores desafiados, Reitman tinha um tesouro nas mãos que só ele mesmo poderia lapidar como já vimos em suas produções anteriores.

Mas algo não arremata o nó ao final. Temos diversas grandes cenas (o despertar da mãe que não percebia a exploração que lançava à própria filha; o desfecho sutil e acachapante do pai de família que se percebe traído, e traidor; o desespero entre pai e filho, que se enfrentam em cena aberta sem saber os reais motivos pelo qual estão duelando), temos o elenco acertado, temos uma tecnologia crescente que permite dar mobilidade, modernidade e sentido a uma trama já escrita e interpretada... mas não temos o grande 'tchan'. Vejamos: a internet é esquecida lá pelas tantas, depois da metade. Mesmo que fosse claro que "problemas reais devem ser resolvidos no mundo real", nem pra fechar a coerência da narrativa o tema é retomado. Além disso, por melhor desenho que tenham e por mais sofisticados que sejam suas entregas, alguns personagens soam datados e já vistos além da conta.

Parece tudo pequeno diante do interessante desenrolar dessas carcaças já petrificadas pelo afastamento digital, e o filme alça voo em diversos momentos; jamais conseguiria chamar o produto final de algo menor que 'muito bom'. Tenho plena consciência de que o diretor de Amor sem Escalas ainda não voltou, mas depois do susto com o péssimo longa estrelado por Kate Winslet esse ano, esse novo filme chega a refrescar. Mesmo que o conflito tecnológico do filme acabe perdendo o foco e ficando em segundo plano, ao menos não falta humanidade a Homens, Mulheres & Filhos.

Comentários (5)

Arthur Brandão | sexta-feira, 05 de Dezembro de 2014 - 14:51

Francisco, tirou as palavras da minha boca, adorei Reine Sobre Mim com um Sandler mais dramático, eu estou ansioso pra ver esse do Reitman, mas também fico com o pé atrás.. 🙄 só vendo mesmo.

Francisco Bandeira | sexta-feira, 05 de Dezembro de 2014 - 17:40

Eu não gostei nadinha de Labor Day, mas a temática do filme e o elenco são excelentes. E sim, Reine Sobre Mim é ótimo mesmo, e eu estou ansioso por The Cobbler.

http://www.cineplayers.com/filme/the-cobbler/22727

Eduardo Laviano | domingo, 07 de Dezembro de 2014 - 00:35

Ainda não estreou aqui na minha "província", mas tá num sanha doida pra assistir desde que assisti o trailer. Vou até levar uma amiga pra ver. Esse diretor é O cara.

Eduardo Laviano | sexta-feira, 17 de Abril de 2015 - 00:49

Acabei de assistir (baita atraso) e vim aqui para comentar. Olhei para os comentários e nem lembrei que eu já havia comentado.
Eu tive um dia meio ruim e o filme me afundou de vez. Adorei a forma como ele é previsível. Eu soube tudinho o que aconteceria bem antes de acontecer. Ele é um filme inteiro sobre frustrações, com quase nenhuma dose de alegria. Passa bem aquela ideia de que a vida é frustrante, um sofrimento eterno.
Sensacional a força da cena da menina que estranha a Jennifer Garner não ter ligado pra ela e tem como primeiro desejo ligar pra mãe. Não é fácil lidar com a liberdade, com a emancipação.
Gostei também da forma como ele tenta equilibrar a importância entre o que somos e o papel que desempenhamos na sociedade e de como ele projeta um futuro em que conexão e desconexão serão sinônimos. O poema no final foi fatal pra mim! Haja resignação pra enfrentar.
Um abraço para o Francisco e para os amigos dos comentários, no caso o outro Francisco, o Arthur, o Diogo e o Rafael.

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