Saltar para o conteúdo

Hora Mágica, A

(Hora Mágica, A, 1999)
7,1
Média
9 votos
?
Sua nota

Críticas

Cineplayers

Ficção x realidade

9,0

Durante a segunda metade da década de 1990, a produção cinematográfica brasileira passou a dar maiores respiros após uma primeira metade lamentável em termos de condições de realização e falta de público. Essa fase reconhecida como “retomada” ficou fincada na história do cinema brasileiro como um cinema de grande produção e obras que faziam uma incursão por momentos marcantes da história do Brasil: como os filmes de Sérgio Rezende Lamarca (1994) e Guerra de Canudos (1996) ou Carlota Joaquina, Princesa do Brazil (1995). Há também outra vertente dessa produção que seriam os pequenos filmes de caráter realista com pinceladas melodramáticas: Terra Estrangeira (1995), Céu de Estrelas (1996) e Como Nascem os Anjos (1997).

Mesmo que seja mais comum lembrar do primeiro momento da “retomada” a partir desse conjunto de filmes, é possível destacar certos Ovnis que aparecem sem uma ligação particular com outras obras da época. É o caso de A Hora Mágica realizado por Guilherme de Almeida Prado. O filme não se aproxima esteticamente de outros filmes da “retomada”, porém é uma continuação natural em sua carreira de longas-metragens, após A Dama do Cine Shanghai (1987) e Perfume de Gardênia (1992), com todas as suas características formais intrincadas, referências a um cinema do passado e temáticas em que pulsão sexual e morte se amalgamam, características de um cinema maneirista.  

A Hora Mágica se passa na década de 1950, contudo, dialoga bastante com a situação do cinema brasileiro na década de 1990. Na trama, o protagonista Tito (Raul Gazolla) trabalha em radionovelas e costuma interpretar o vilão das mesmas. Entretanto, um novo aparelho está aparecendo para concorrer com o rádio: a televisão - reconhecida como o futuro mesmo pelos profissionais da emissora radiofônica. Na época de produção do filme, já estava claro que a TV tinha conquistado o espaço como principal meio de comunicação do país e as telenovelas, o principal produto da Rede Globo, emissora televisiva de maior audiência do Brasil desde a década de 1960. Contudo, durante a década de 1990, o medo do fim do cinema, ao menos do cinema produzido no Brasil, pareceria bem real.

Assim, A Hora Mágica é mais do que um filme sobre o próprio cinema, contudo, um filme sobre o trabalho do próprio realizador. Quase como quem olha para o passado e revisita a sua carreira -  é possível pensar que se tratava de um último olhar, levando em consideração as condições do cinema brasileiro. Apesar de que, com a visão distanciada pelo tempo, é possível destacar que A Hora Mágica versa até sobre o futuro do cinema de Prado ao citar Dulce Veiga, personagem de Onde Andará Dulce Veiga?, filme seguinte do diretor realizado apenas em 2007.

Diversas características do cinema de Prado reaparecem em A Hora Mágica: as tramas policiais, a sedução pela cor vermelha, mulheres fatais análogas aos filmes noir, uma certa artificialidade dos ambientes. Os próprios atores fazem parte do universo do diretor. Raul Gazolla já havia trabalhado em Perfume de Gardênia, em um papel secundário, e Julia Lemmertz (Lúcia) estrelou Glaura (1995).

Maitê Proença e José Lewgoy já tinham trabalhado em A Dama do Cine Shanghai e Perfume de Gardênia, respectivamente, e têm papéis importantes em A Hora Mágica. Inclusive, assim como em Perfume de Gardênia, Lewgoy novamente faz um diretor - inclusive, usa um tapa-olho, elemento marcante nas imagens de diretores como Fritz Lang, Raoul Walsh e Nicholas Ray, identificados com o cinema noir. Já Maitê Proença faz uma atriz mimada, característica da personagem de Betty Faria no mesmo filme.

No entanto, com uma proposta que visa se emaranhar tanto no próprio cinema, seja por uma questão social, seja por uma condição metanarrativa, a trama policial do assassinato do vizinho de Tito fica em segundo plano. Inclusive, o delegado Bandeira se torna uma figura esquecível do filme - ao contrário de outras figuras policialescas no cinema de Prado. Na época de lançamento, inclusive, o realizador foi acusado de fazer um filme oco que não passava de uma obra cheia de plasticidade, mas vazia. É possível entender essa crítica a respeito de A Hora Mágica, contudo, parece um sintoma de uma visão sobre o cinema que deve ser mais do que uma peça formal, mas que é necessário ter um “recheio filosófico” para não se reduzir a uma brincadeira pueril e vazia de significados. Enfim, que seja proposta uma atividade intelectual de acordo com  o que a trama sustenta.

Mesmo que seja uma trama frágil, A Hora Mágica tem interesse em travar um debate, sim. Contudo, o que está posto aqui seria a diferença entre realidade e ficção - até por isso José Lewgoy e Maitê Proença fazem mais de um personagem. O relacionamento de Tito e Lúcia funciona, basicamente, com base em um não entendimento completo do que seria real e o que estaria no campo ficcional. Ela se apaixona pela voz dele no rádio e cria a sua figura como pretende que seja. Tito, por outro lado, imagina Lúcia como a mulher de seus sonhos - não por acaso, em sua primeira aparição, está completamente de vermelho -  e não pretende descobrir quem ela realmente é, sempre mantendo-a no campo da fantasia. 

Assim como Gisa em Perfume de Gardênia, Lúcia se torna uma atriz. A última sequência do filme, inclusive, marca a situação dela com Tito. Enquanto na tela o espectador enxerga as imagens de um filme romântico qualquer em loop, o casal que está a dublar passa a travar discussões sobre a relação. Assim, a partir da própria característica da projeção cinematográfica, há uma assincronia entre som e imagem brilhantemente executada que mantém a dubiedade entre realidade e ficção - talvez, a sequência fundamental de toda a carreira de Guilherme de Almeida Prado.

Em A Hora Mágica há uma tentativa de abarcar muitas questões distintas. Todavia, é inegável que seja o filme de um realizador competente e original. Então, se não foi entendido como um dos melhores filmes da carreira do realizador, é, sem dúvidas, a obra que Prado busca de forma mais profunda a essência de seu cinema. Apenas por esse motivo, já é possível afirmar que se trata de um dos mais interessantes trabalhos da “retomada”, embora se afaste completamente do que se costuma compreender dessa fase do cinema brasileiro.

Filme partícipe do Especial Guilherme Almeida Prado - Breve Relato.

Comentários (0)

Faça login para comentar.