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Horror Palace Hotel

(Horror Palace Hotel, 1978)
8,4
Média
8 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

“Se a missão ficar interrompida, o homem é aniquilado.” Zé do Caixão, O Gênio Total

10,0

Isto é um filme? Um média-metragem mesmo? Um manifesto? Um esculacho? E o meu texto sobre ele o que é? Crítica? Artigo? Avacalho? Viçagem? O filme eu sei que é um registro histórico raivoso, documental e marginal pra cacete. A minha escrita é um troço. A marginalização do festival. Na marra. Manifestoso. E do que se trata? Da galera puta com o XI Festival de Brasília de Cinema Brasileiro de 1978 – festival no Hotel Nacional em Brasília, obviamente – que deliberou, tergiversou e discutiu, e manteve algumas figuras fora do escopo da lista de materiais a serem exibidos em sua grade. Aí emputeceram uma turma boa.

Capitaneando este processo de amplo improviso esculhambatório estão figuras como Rogério Sganzerla, Júlio Bressane e Jairo Ferreira – que fizeram questão de dirigir e narrar esta maravilhosa bagaça de protesto. Estes buscando peças-chave para seus intentos no que tangia aos cineastas marginais em abandono. Além dos já citados, há o José Mojica Marins, o nosso mestre Zé do Caixão, como principal peça de revoltório dos cineastas. Onde o seu discurso horrorífico sobre o horror real que existia no cinema é base para a construção deste material. “Horror é o que não falta neste país.”

Só lembrando que pra se vingarem os caras montam uma mostra paralela pra exibir seus filmes e provocar a galera toda.

É o José Mojica Marins que, para o Bressane, montou o cinemascope das cavernas em A Sina do Aventureiro (1958). Um western feijoada do gênio subversivo. Nisso o Horror Palace Hotel filme, se desorganiza e se organiza ao debater o que é o abandono e a exclusão cultural para depois se ater a questão do gênio total, numa declamação objetiva e grosseira do Zé. Mojica tem filmes interditados. Ritual dos Sádicos (ou O Despertar da Besta) (1970) estava censurado e preso até então ( a segunda alcunha foi dada na tentativa de burlar a censura anos depois com a mesma fita, mas sem sucesso), sem falar dos seus materiais outros cortados pelo Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP), que agia para o controlo do cinema nacional. Tanto que o Zé ficara sem conseguir produzir obras suas, das quais Encarnação do Demônio (2008), na qual só conseguiria tê-la pronta 30 anos depois dali. Além destas vicissitudes, que o governo brasileiro moldado num golpe civil-militar aloprava, havia ainda o desmantelo dos festivais a excluir o cara, com parte da própria crítica a tratá-lo com inferioridade. Além de alguns companheiros da profissão. Mas não nesse material. Sganzerla e Bressane são fãs e camaradas de combate fílmico do Zé.

Talvez por estas condicionantes, o Zé seja uma das figuras centrais desta fita marginalíssima. O mais maldito de todos. O símbolo do destroço e do primitivismo do brutal como figuração cinematográfica. E que estaria a lutar por um lugar ao Sol, assim como tantos outros, e ali revoltado com os caminhos escolhidos pelo próprio cinema nacional. Onde, segundo Sganzerla, o festival ali era fruto de desonestidade, turistas e analfabetismo. O horror tinha de brutalizar o espaço. A necessidade de “Cineastas visionários horrorizavam a horrorização.” Dizia o Zé. Ainda sobre este útimo, o tom de homenagem/deboche dialético permite à obra enriquecer seu escopo de fuleiragem ao debater a questão do gênio total com Sganzerla acusando Mojica disso, e este Zé afirmando que o gênio total está em extinção. Extinção do uso da palavra. Ou teria de se haver outra palavra para se nomenclaturar, já que “qualquer elemento que toma café num pires diferente se torna gênio.” É Zé. Uma afirmação clara sobre o deslumbre vicioso de parte da categoria a masturbar e eleger determinadas figuras à condições supostamente imputáveis a estas alcunhas. Assim segue o super 8 raivoso de improviso. Revolta e exclusão.

Horror sobre o horror. O tropicalismo marginal da loucura. “O horror não está no horror, mas é horroroso.” Zé. Eu mesmo venho batendo nesta tecla há algum tempo. O horror como gênero fílmico, nasce transgressor, porque arromba morais estabelecidas e vive da destruição de corpos. Ele avacalha e destrói. É apelativo. Usa das nossas sensações primais tais quais o nojo, adrenalina e – principalmente – o medo para nos prender (com lascívia inclusive), mesmo a contragosto daquilo que vemos. O horror atrai. É tesudo. O Zé sabia disso. Por isto transgressores queriam pintar no terror. Arriscaram e alopraram. Por isto a frase de Zé acima. Reiterando que o horror não está no horror. Como se a diegese do horror não fosse tão escrota quanto a realidade que os abatia. Por isso obras crassas como Barão Olavo, O Horrível e A Família do Barulho (1970, ambos neste ano e do Bressane) focavam na sensação de horror de característica própria e não no convencional amedrontador ou nojoso. Sem ser horror de gênero propriamente dito, mas horroriza. Nosso terror/horror vem da sensação criada pela transgressão. Seja ela política, de linguagem ou quaisquer caralhos que o valham.

E pra que mais transgressão que um cine-reportagem esquizofrênico e dialeticamente racional e crítico tal qual este? Onde a iconoclastia brasileira seria apontada por Francisco Luiz de Almeida Salles a soltar que “A Europa é um museu” e o bom cinema estaria aqui, coadunando também com sua luta pela preservação do cinema nacional nas suas várias décadas que presidira a Cinemateca Brasileira. E dentro deste aspecto de preservação e esculhambação a posteriori, assim afirma que a transgressão é o futuro. O horror seria necessário para o choque. O fim do torpor. A salvação fílmica. O Horror como escapatória do cinema. Haja horror. “É preciso horrificar as pessoas.” Diz Luiz. Espelhar o horror do cinema nas pessoas e tirar o horror do lado de fora para o próprio gênero existir. Diz o Ted. Aquele horror coercitivo da realidade a imputar a moral reacionária medrosa, que não quer a distensão, mas recebe o alopramento. Aqui nós tínhamos o gênio essencial, como diria Salles e Zé. Aquele que era em essência um monstro idiossincrático. Nascia talentoso e necessitava de espaço. Que não era somente construído pelos meios que a academia gostava. Mojica humildemente, e farsescamente, fugia da alcunha de gênio (e genioso) por ser um maroto, mas este termo era sobre si. E ele sabia disso. E Salles defendia a existência disto como sobrevivência do nosso cinema. O pedantismo tinha de ser aloprado.

Horror porra! A trilha de horror desta fita super-oitosa chupada doutros filmes só engrandece o sarro genial. Um avacalho avacalhador do avacalho perseguindo a avacalhação avacalhacionista. O horror das várias formas. A seleção ruim dos filmes oficiais do festival é reclamação tácita dos excluídos que veem seus trabalhos sendo relegados e nisso mutilam a tela com raiva e sarro na ideia de montar seu próprio espaço de exibição na marra. Como afirmaria Carlos Primati em seu artigo “O horror não-horrível do cinema udigrúdi” (na revista Acrobata na data de 13 de Agosto de 2019), a 1ª Mostra do Horror Nacional fora inventada como evento paralelo onde “Depois de terem seus filmes recusados pela curadoria do evento, Sganzerla e Bressane se uniram a outros realizadores – José Mojica Marins, Elyseu Visconti Cavalleiro, Fernando Coni Campos e Ivan Cardoso – e criaram a mostra, organizada pelo Clube de Imprensa do Sindicato dos Jornalistas, com apoio da Fundação Cultural do Distrito Federal e colaboração do jornal Correio Braziliense, que publicou um suplemento especial de oito páginas sobre horror com textos ideológicos dos artistas envolvidos.” A gravação deste maravilhoso e avulsoso material de super 8 fora criada a partir deste evento descrito por Primati, que também afirma no mesmo artigo que infelizmente não houvera mais nenhuma continuação. Uma seleção marginal única que vira oficial pela plateia jovem. Visceral. Horripilante. Ali é o horror do cinema nacional. Em combate pela existência própria.

Absolutamente dentro duma política errada. A ditadura militar impunha controlo no cinema nacional. Afirmava aquilo que dever-se-ia ser visto pela população. Esta em grande parte, já embalsamada no conservadorismo. Não só político e social, mas cultural mesmo. De costumes. Diante disso o horror era válvula de escape pra quem queria se esculhambar, ou sentir-se entumecido de putaria numa sala escura de cinema. Num esconderijo. Como já tergiversei abruptamente acima, além dos ditames reacistosos da governabilidade, ainda havia de se lidar com o pedantismo das castas do nosso cinema para com outros tantos artistas de tela e esculhambo. Bressane, Mojica, Sganzerla, Ivan Cardoso, Jorge Ferreira, e até o Glauber Rocha em oportunidade outra, ora porque não, chegaram junto nesta reclamação escrota. Cercados por marginalia e exclusão como o homem fugiria do aniquilamento apontado pelo Zé do Caixão? É o horror de perder-se na existência. Algo que muitos destes figuras tiveram que lidar com as dificuldades tamanhas em futuras produções, enquanto outros tantos ainda chegaram a desfrutar do desfrute de verbas e curtições, quando trairam movimentos e abraçaram a EMBRAFILME, ao montarem projetos que abarcassem os esquemas governistas.

Como aqui o texto é livre vou meter a minha liberdade de escrita pra aloprar o recorte histórico da coisa. Temos o tesão para falar do passado com um suposto distanciamento lógico – SENSO COMUM – e um distanciamento programático – O ACADÊMICO VAGABUNDO DE HISTÓRIA EXPRESSANDO-SE – onde cometemos o julgamento de prognóstico assertivo sobre um determinado período apontando suas falhas e situações, e dentro de um escopo que nos permite, em tese, um certo conforto por estarmos noutra chave TEMPORAL. Estamos décadas à frente, antão temos o distanciamento histórico a nosso favor pra descer a chibata. Será? Parte do senso comum afirma que sim, obviamente, aos historiadores cabe ficarem escrotos, e porque não putos, com algumas ponderações desta natureza. Principalmente quando lidamos com anacronismos. A história é mutável? Sabemos, mas existem permanências históricas (quem me conhece sabe o quanto encho o saco com esta terminologia sempre que quero dar uma de garotão historiador) que imbricam destruições contínuas e reaquecimento de merdas antigas sob novas perspectivas vendidas como mais civilizadas. Besta de quem cai nessa. Nosso cinema mantém-se no apogeu desta onda de retomada com filmes sendo premiados (nacional e internacionalmente) e vistos por milhões. Além do fato de produções menores persistirem na marra através dos tempos, sempre vendendo originalidade e liberdade. Porém, não se enganem. Um estado com visão de controle e destroço com o cinema age por várias pontas. Vide o trato da atual gestão para com a ANCINE (Agência Nacional de Cinema), e pelo destrato com a já citada aqui Cinemateca Brasileira, que é vilipendiada ao esquecimento. Até trato disso neste material. Sem citar outros tantos comentários oficiais (ou não) proferidos por presidente e secretários da pasta da cultura daquilo que deve ser o cinema brasileiro, e longe de ideologias que o bolsonarismo não coadune. Se a estas questões somarem-se ao caráter elitista pedante e excludente de parte do cinema contemporaneizado (como o mesmo se alcunha) brasileiroso, que agora viria atualizado e envernizado por um esquerdismo colorido farsesco moderno, aí sim estamos lascados. Lascados no plural mesmo. Não sou só eu como crítico de cinema, historiador e documentarista e possível realizador de horror que estarei fodido, mas uma nação com cinema amarrado tem sua criatividade arrancada como presas dum javali. Fiquemos atentos e aprendamos com nossos irmãos marginalizados de décadas atrás que propuseram uma discussão acerca do horror a acometê-los. Um horror que não só agora nos avizinha, mas nos acomete. O que vamos fazer então? Eu sei que eu vou pra produção e pra porrada. E vocês?

Crítica integrante do especial Abrasileiramento apropriador do Halloween

Comentários (2)

Igor Guimarães Vasconcellos | quinta-feira, 07 de Janeiro de 2021 - 07:31

Adorei ver o filme, e com o teu texto ainda ficou mais lúcido. Parabéns, meu amigo

Ted Rafael Araujo Nogueira | quarta-feira, 27 de Janeiro de 2021 - 23:11

Valeu meu chapa. O filme é uma vomitada de alopramento destrutivo. Merece demais ser visto.

Gian Couto | sexta-feira, 08 de Janeiro de 2021 - 14:05

Grande texto. Esse filme é um baita registro da época e do movimento marginal.

Ted Rafael Araujo Nogueira | quarta-feira, 27 de Janeiro de 2021 - 23:12

Valeu. Este material é um retrato visceral de como a marginália do cinema reagia ao destroço ao qual eram vilipendiados.

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