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Críticas

Cineplayers

Da Coréia chega este agradável terror B, cheio de significados e de muita diversão.

7,5

Por essa ninguém esperava. O Hospedeiro, filme trash coreano sobre uma espécie de lagarto gigante que emerge dos esgotos de Seul para se alimentar de humanos, não só teve sua estréia feita em Cannes como foi um sucesso estrondoso de crítica e de público: só em seu país natal foram 12 milhões de espectadores. Com os direitos internacionais vendidos, o filme de monstro ganhou o mundo inteiro e por onde passa deixa uma legião de fãs, especialmente entre a crítica especializada.

Mas o que os ditos “críticos” viram numa obra sobre medonha e gigantesca aberração causada por lixo tóxico? Simples, o filme é genial. Desde a fabulosa cena de abertura, O Hospedeiro mostra que está em mãos competentes. Antes do bichão aparecer pela primeira vez no parque da cidade (cena espetacular), ele consegue desenhar em poucos minutos uma família atrapalhada, formada por um avô dono de uma barraquinha de miudezas, seu filho com problemas mentais, por sua vez pai da menina que será seqüestrada pelo monstro. Completam a trupe uma campeã de arco e flecha que acaba de perder o campeonato nacional e um recém-formado desempregado.

Daí o bicho aparece horrendo, avançando pelo parque, destruindo tudo numa das mais bem dirigidas cenas do cinema contemporâneo, um prodígio de edição e uso do tempo – difícil não se apaixonar pelo filme depois dessa abertura sensacional. A menina é levada para o submundo para servir de alimento posterior. Consegue, com seu celular, avisar ao pai de sua localização. Ninguém acredita nele, exceto os parentes, que se unem para salvar a garota. Até lá decorre um grande filme pleno de metáforas comoventes.

Funciona tanto como filme de terror como drama familiar. Além dos sustos, que são eficientes, as cenas em torno da família desajustada são tocantes. E, além de metáfora política, é também humor pastelão: afinal o diretor, Joon-Ho Bong, é esperto demais para contar uma estória tão estapafúrdia levando-se a sério.

No desenrolar da trama, o bicho vai assumindo diferentes significados. O mais óbvio é o fato de as autoridades coreanas não saberem lidar com ele e esperar pela ajuda dos EUA – é o neoliberalismo ou o capitalismo globalizado. Mas ganha contornos mais densos. Para o estudante, que se formou mas nunca conseguiu arranjar trabalho e se tornou alcóolatra, é o desemprego, além da ditadura, que ele ajudou a desbancar – no entanto a democracia não conseguiu consertar o país a tempo para os que lutaram por ela (veja bem, estamos falando da Coréia do Sul).

A maioria dos analistas viram influência de Steven Spielberg, principalmente o melhor, da primeira água, de Tubarão (Jaws, 1975). Mas Joon-Ho Bong não esconde o bicho, ele o mostra galopando, pulando, nadando, saltando, mergulhando, ou seja, é perfeitamente crível, biologicamente funcional e inacreditavelmente crível. Um anfíbio superdesenvolvido. E, ao contrário de O Resgate do Soldado Ryan, que começava bem e vai se perdendo no piegas insuportável, O Hospedeiro tem humor, colorido político irônico, belas cenas da capital da Coréia do Sul recentemente apavorada pela epidemia do vírus da SARS e, por fim, um drama familiar muito melhor alinhavado do que o sentimentalismo do diretor americano em Ryan.

Estão lá os muambeiros que usam os esgotos para entregar produtos contrabandeados, os colegas de turma do universitário que o traem para conseguir o dinheiro do resgate (o filme tem estofo intelectual suficiente para ser contra o cinismo), o efeito de décadas de ocupação americana em solo coreano, tudo costurado com feérica e vibrante imaginação, incluindo a pregação ambientalista.

Porque O Hospedeiro é isso, um filme-catástrofe revisitado, em que a natureza se vinga dos homens, cobrando-lhes a destruição que é submetida diariamente. Esse filme de horror inteligente, maluco, engraçado, assustador e envolvente é uma cruza de vários gêneros, mas descende mesmo de adoráveis filmes B como Inferno na Torre e O Destino do Poseidon, gênero que até então só aparecia em paródias, mas ressurge agora na Coréia revigorado em ótima forma.

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