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Críticas

Cineplayers

Fantasmas e escombros.

7,0

HU (idem, 2011) é um documentário envolvido por um clima fantasmagórico bastante particular. Na contundência de algumas imagens, transmite-se ao espectador com o impacto de um filme de horror. Enquanto acompanha seus entrevistados circulando pela área desocupada de um prédio do Hospital Universitário da UFRJ, um imenso elefante branco da edificação moderna apenas semi-utilizado até ser implodido em 2010, a sensação que se tem é a de estarmos vendo um desolador passeio por um cemitério urbano, que remete à instituição político-administrativa brasileira (apesar de caber não apenas a ela). O filme parte da ideia deste hospital como metáfora de um projeto de sistema deficiente, com uma metade funcional e outra em escombros. Uma metáfora praticamente inevitável, gerada pela própria existência do prédio naquelas condições.

Há, a princípio, uma ansiedade um pouco incômoda na forma com que Pedro Urano e Joana Traub Csekö introduzem este caráter reflexivo dualístico, tentando abruptamente fisgar o espectador para a operação metafórica do filme através de algumas associações grosseiras feitas pelos cortes ou pelo recurso da tela dividida (num desses momentos, por exemplo, o filme passa do registro de uma operação na sala de cirurgias do hospital, na qual estão sendo introduzidos tubos no corpo de uma mulher, para imagens da tubulação antiga e empoeirada da ala desocupada do prédio). Essa precipitação, porém, vai aos poucos cedendo espaço para uma sutileza interessante. Os melhores momentos de Hu são justamente aqueles nos quais seus realizadores conseguem escapar dessas associações óbvias de montagem para apenas observarem a relação dos entrevistados com o espaço. 

É a partir desta entrega menos centrada em truques de pós-produção que nascem grandes momentos como o depoimento da arquiteta, filmado enquanto ela caminha pela área inativa do prédio e analisa a beleza de seu projeto de edificação contemporânea, pelo qual possui uma admiração apaixonada. Ao acompanhá-la pelos corredores do edifício enquanto explica os motivos que a levam a adorar aquele espaço, o que a câmera registra e o que consequentemente entra em contato com nosso olhar não é nada além de um prédio um ruínas. Há uma intensidade muito forte neste paradoxo construído entre as imagens captadas durante o trajeto e o depoimento de adoração que estamos ouvindo dela. E a eficiência surge justamente da naturalidade com que este conflito entre utopia e realidade, esta projeção inalcançável presa a um modelo possivelmente equivocado de planejamento, consegue provocar reflexões e debates pungentes e até mesmo necessários.  

HU entretanto não é uma obra de conclusões (o que já é um motivo para se prestar atenção ao filme com mais carinho), mas que põe o dedo em feridas de um país enfermo, à porta da UTI. Neste sentido, a escolha de executar o filme às vésperas da implosão do edifício também garante uma força especial à obra. No tom apoteótico das imagens finais, para as quais os realizadores montaram uma estrutura cinematográfica em busca dos melhores ângulos para registrar a implosão, uma sensação de desconforto nasce e permanece com certo impacto mesmo algum tempo após a sessão. O final inevitável do filme surge como um baque violento, cujas imagens, combinadas a uma trilha-sonora impactante e que amplifica a sensação horrorífica transmitida por ele, são extremamente marcantes.

Visto na 15a Mostra de Cinema de Tiradentes.

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