Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Através da pequena jornada de duas mulheres, Pawlikowski confronta o passado da Polônia profundamente marcado pelas feridas da Segunda Guerra.

8,0

Como alguém sem o mínimo repertório histórico a respeito do holocausto, onde todas as informações coletadas vieram através trabalhos de ficção, entender parte do que acontece em Ida foi um pequeno desafio. Alguns dados realmente desembaraçam o terrível plano de fundo histórico do primeiro filme de Pawel Pawlikowski em sua terra natal: um quinto da população polonesa fora assassinada durante a segunda guerra, cerca de três milhões de judeus; os maiores campos de concentração ficavam, inclusive, na Polônia, inclusive o mais notório deles, Auschwitz; cerca de 25 mil judeus formaram uma resistência organizada em 1943; muitos desses resistentes lutaram para impor, após a segunda guerra, o regime comunista na Polônia; em 1948 esse regime tornou-se vigente.

Prestes a entregar seus votos e comprometer-se com a vida religiosa até o fim de seus dias, a noviça Anna deve conhecer sua única parente viva, a decadente Wanda Gruz, para enfim poder se entregar à servidão católica. Wanda, porém, revela a Anna que seu verdadeiro nome é Ida Lebestain, filha de judeus que foram mortos durante a ocupação Nazista.

Da maneira que Pawlikowski e seus fotógrafos enquadram o filme, você consegue sentir uma presença palpitante no ar. Oculta, mas feroz. Através dos grandes espaços vazios que pairam, ora interior, ora exteriormente, deslancha-se uma atmosfera que sugere fortemente a existência de algo que, embora invisível, é presente nos espaços do filme.

Durante uma pesquisa que realizei para escrever um pouco sobre Os Viciosos (Abel Ferrara, 1995), encontrei um artigo falando sobre um outro filme do diretor ítalo-americano, Vício Frenético (1992), no qual o autor reconhecia a expressão do catolicismo na obra de Ferrara como, ao mesmo tempo, “bonita e opressiva”. Os espaços vazios em Ida deixam a mesma impressão. Podem ser Deus, podem ser a história da Polônia, podem ser o presente da Polônia, podem ser a manifestação de carácteres psicológicos de seus personagens... a resultante é um combinado de boniteza e opressão, que dão o tom durante o filme de Pawlikowski.

Um filme que é demarcado e guiado por fatores históricos, mas que tem como força maior suas duas principais personagens. Anna está a caminho de casa após descobrir a verdade a respeito de seus pais e Wanda exerce sua profissão de juíza após o encontro com a sobrinha. Uma jovem casta, santa e uma mulher de meia idade bela, porém nitidamente danificada. O sangue genealógico ferve e um impulso arrasta as duas mulheres, uma contra outra, e ambas embarcam numa improvável viagem pela Polônia stalinista do pós-guerra afim de escavar a verdade, desenterrar os segredos.

Como todo road movie, a inspiração surge da inabalável necessidade de seus personagens encontrarem seu lugar no mundo. O que, num primeiro momento, surge como vontade impulsiva e fugaz, onde Anna busca o túmulo dos pais apenas por não ter mais o que fazer antes de entregar os seus votos, e Wanda acompanha a sobrinha apenas por um surto de uma improvável benevolência, pouco a pouco se torna uma necessidade feroz e imbatível. Na mesma medida em que o passado se torna mais conhecido, mais importante é que ele se torne conhecido por completo, para que a relação entre passado e presenta possa existir nas personagens, sem hesitações, sem ignorâncias.

Embora a trame reserve os momentos mais devastadores para Wanda Gruz, o filme de Pawlikowski pode ser entendido como a micro-narrativa da noviça Anna, um período de aproximadamente duas semanas onda a jovem conhece seu passado, se encanta com o mundo e encarna seus fantasmas, apenas para tomar a decisão de se entregar ou não à bela e opressiva vida de servidão católica. Ela deve tornar-se Ida para enfim fazê-lo. Diante dos horrores escancarados do nazismo, diante do sutil terror do stanilismo e, pior que esses dois, diante da fragilidade emocional inerente a qualquer humano, virar as costas não deve vir como surpresa.

Comentários (8)

Augusto Barbosa | quarta-feira, 14 de Janeiro de 2015 - 19:29

Me desanimei pacas com essa lupinha do Dalpizzolo também, mas arrisquei ver no cinema e valeu a pena. A estética opressiva não está lá à toa, como eu achava que estaria, todo o peso de um passado de um país ainda não cicatrizado ali, seja nos espaços vazios, no tempo sempre nublado e, claro, no indispensável p&b que lhes dá o tom. E essa História não é apenas pano de fundo, seus tentáculos estão fincados nas trajetórias das duas personagens, principalmente da tia, claro. No terço final, quando foca na noviça, achei que o filme fosse pras cucuias, mas não, enlaçou bem o ciclo de auto-descoberta da protagonista. É simples, não necessariamente original, mas belo filme sim. Excelente crítica do Bakunin, por sinal.

Luiz Alves | sábado, 02 de Maio de 2015 - 22:26

😢Sinceramente, achei o filme chatérrimo! Como esse filme ganhou de Relatos Selvagens, simplesmente é um mistério! Ou melhor, as pessoas inteligentes que assistiram esse filme - Ida, sabem o motivo pelo qual deram a estatueta à ele... Espero que não tenha a "Volta"......

Faça login para comentar.