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Críticas

Cineplayers

O último respiro da solidariedade.

5,0

Quando um filme propõe uma trajetória de moralidade (ou moralizante), ele passa por um caminho consideravelmente delicado e perigoso de representações e resultados narrativos. O que digo é que, para se tirar da história uma lição de moral, ele deve utilizar personagens e trama e conduzi-los ao seu propósito didático (porque a trajetória de moralidade é sempre didática).

Em O Idiota, dois homens são percebidos por sua família e vizinhos como os idiotas do título por lutarem, mesmo que às vezes silenciosamente, sempre pelo que é certo. Esses homens consertam a cerca que todo dia quebram e fazem seu trabalho com a seriedade que é devida. Para o filme, eles são uma exceção, os últimos bons, a resistência final da solidariedade.

Para colocar esses personagens nesse lugar, no entanto, o filme tem que fazer o caminho oposto com todos os outros: egoístas, corruptos e hipócritas que rejeitam sua bem-oferecida possibilidade de redenção. Não podendo abalar essa lógica, mantendo-se fiel a sua lição, O Idiota tampouco pode permitir fragilidades morais em Dima (Artyom Bystrov, o herói) ou que seus tantos antagonistas não se rendam à própria amoralidade (apesar da luta contra sombras internas travada por um ou outro).

Isso não significa que há no filme apenas dois tratamentos antagonistas igualmente lineares. Ele é mais cretino que isso. Sua representação da “maldade” - a partir do objetivo do herói de salvar 600 pessoas de uma habitação popular em risco de desabamento - é diferente em cada grupo de personagens. Há aquela das mulheres de sua família (acomodadas que só se importam com o outro quando os seus não estão em risco), a dos políticos (que se corromperam ou aceitaram a corrupção alheia; ou seja, também derivada da acomodação) e a dos moradores desse próprio prédio. Para os últimos, o filme impõe uma maldade ou pura ou burra — ignorante do risco que há a si mesmo — e vitimizada.

Esteticamente, O Idiota é favorecido por uma unidade narrativa que flui bem. Mas o determinismo que parte de escolhas naturalistas na representação da marginalidade agrava a perspectiva moralista do filme. Comparações com a literatura russa - Dostoiévski, basicamente - são justas, mas problemáticas. O fato de O Idiota, uma obra que parte da crença do autor na necessidade de reestabelecer a ortodoxia russa, receber uma leitura tão livre de críticas deveria apontar mais para os pontos fracos do filme que para suas conquistas.

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