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Incríveis 2, Os

(Incredibles 2, 2018)
7,3
Média
206 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

O homem por trás de toda grande mulher.

8,0
No período de auge criativo da Pixar, um estúdio que fez história no campo da animação cinematográfica e mudou para sempre a indústria com o até hoje icônico Toy Story (idem, 1995), o diretor Brad Bird contribuiu com seus talentos com ação e comédia para contar a história de uma família suburbana aparentemente comum, mas que esconde por trás da fachada um gene dotado de super poderes. Em um clima de paródia dos filmes de espionagem à lá James Bond, Os Incríveis (The Incredibles, 2004) exercia a fórmula mágica da primeira década Pixar em seu melhor: discutir temas de valores universais, como família, adaptação, aceitação e descoberta, dentro de um universo remodelado na lógica de alguma fantasia de apelo popular. 

Hoje, mais de uma década depois, os filmes e super-heróis já não significam o mesmo que significavam naquela época, assim como a noção de família não se adéqua mais à tradicional do pai que sai para trabalhar enquanto a mãe fica em casa cuidando dos filhos e dos afazeres domésticos. O mundo hoje é outro, e nada mais natural que Os Incríveis 2 (The Incredibles 2, 2018) surgir como a sequência mais relevante da Pixar desde Toy Story 2 (idem, 1999). Diferente de outras continuações que o estúdio fez, apenas para manobrar as crises criativas e se valer de personagens que conquistaram antes o carinho do público, para garantir assim um retorno nas bilheterias, Os Incríveis 2 de fato tem uma história divertida para contar, apresenta uma evolução na sua tecnologia em animação e desenvolve muito bem os personagens. 

A história agora tem Helena em primeiro plano, assumindo o papel de provedora da família, enquanto Roberto fica em casa cuidando dos filhos e aprendendo que a vida doméstica não é muito mais fácil ou simples do que a vida de combate ao crime. A fórmula do primeiro é repetida com sucesso, só que sem a sensação incômoda de produto requentado: equilibrar um filme de ação dos mais exagerados e absurdos possíveis coma dinâmica tragicômica de uma família comum e seus dramas cotidianos e ordinários. Mas ao inverter os papéis de Helena e Roberto, o roteiro permite que cada um dos dois ganhe um desenvolvimento diferente, de modo que são explorados para além dos clichês. O tempero está na figura de Zezé/Jack-Jack, que ganha um espaço bem maior e serve de alívio cômico e “fator fofura” que tanto funciona bem em um filme família. Violeta e Flecha, se não evoluem tanto com relação ao que fizeram no primeiro filme, pelo menos permanecem funcionais na narrativa, além de carismáticos. Coadjuvantes adoráveis como Gelado e Edna Moda dão toque especial. 

Diretor ousado e grandiloquente, Bird volta a fazer da aventura uma desculpa para um infinito delírio visual, se valendo das possibilidades gráficas quase ilimitadas permitidas pelo formato de animação para comandar longas e tensas sequências de combate, sempre bem equilibradas por uma narrativa que sabe dosar bem o humor, e que sabe a hora certa para se levar a sério e para rir de si mesma. A evolução da tecnologia inclusive é claramente notável logo na abertura, e a fotografia mais estilizada faz dessa sequência uma investida muito mais barroca e longe do tom prático e clean do primeiro filme. Claro que nada disso teria fundamento sem um background no subtexto da trama, envolvendo a redescoberta de Helena enquanto indivíduo e fora de seu papel de mãe/esposa, assim como o amadurecimento de Roberto com pai e marido. Fica claro no final de que família não é um local para hierarquia de sexos, mas sim um espaço onde o vigente discurso de igualdade de gêneros tão prevalecente no cinema moderno também tem validade. Em um filme voltado para as famílias, especialmente as crianças, uma mensagem como essa é muito essencial e positiva para quebrar noções ultrapassadas e machistas. 

Mas o que de fato traz a atenção no subtexto de Bird está na forma como ele procura avaliar por meio das figuras de dois novos personagens a questão da tecnologia cada vez mais imersiva e tóxica promovida pelos excessos de vícios no cinema e no ambiente virtual. Os super-heróis aqui não são glamourizados ou idealizados, mas sim questionados enquanto figuras que promovem indiretamente a noção de perfeição que tanto leva as pessoas hoje a evitar a turbulenta realidade e assim terceirizar a própria vida e os próprios sentimentos em função de uma fantasia efêmera, sugadora e ilusória. Em outro nível, critica o próprio cinema estar se resumindo a uma simples promoção de ideais superficiais de felicidade que se dissipam logo após o fim da sessão e mais causam frustração do que entretém. Numa jogada arriscada, Os Incríveis 2 se olha refletido contra o espelho e se inclui na crítica que faz, procurando por fim quebrar certos padrões e mostrar que a felicidade duradoura na maioria das vezes está no simples, no imperfeito, no incompleto, no contato físico, no calor humano, muitas vezes somente encontrado no seio de uma família. 

Comentários (3)

Marcelo Queiroz | quarta-feira, 11 de Julho de 2018 - 13:01

Texto melhor que o filme. É verdade que o longa traz consigo temas relevantes perfeitamente cabíveis no contexto atual, mas senti apenas um tangenciamento neles, poderíamos ter uma exploração mais profunda. Ainda assim, o texto de Bird contém diálogos certeiros e momentos de humor com piadas que não soam gratuitas, além de cenas de ação bem boladas. Continuação que não fez feio, para a alegria dos fãs (como eu).

Marcelo Queiroz | quarta-feira, 11 de Julho de 2018 - 13:05

Algo que curti aqui foram as cenas do Beto em casa com os filhos, em pequenos momentos, de tarefas domésticas. Nesse 2 tivemos mais isso que no primeiro filme.

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