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Críticas

Cineplayers

Retrato de uma mulher

8,5

A primeira cena de 'Indianara' já define seu conteúdo explosivo-emocional: a personagem-título está em um cemitério, um caixão barato é levado até a área de indigentes. A cova está aberta e a urna é encerrada até o final do buraco. Indianara está embrutecida, sem perder a sensibilidade. 

" - Você quer fazer mais uma oração?

 - Não, pode enterrar.

... 

- Aí, o que adianta? Cadê preto, branco, homem, mulher, gay, hetero... tá tudo junto. Pra quê tanta briga, pra quê tanto ódio, o que adianta isso tudo? Tá tudo aí agora..."

Difícil observar esse ponto de partida, esse diálogo, e ficar impassível. A mensagem é dada, socialmente e cinematograficamente falando, e o trabalho de Aude Chevalier-Beaumel e Marcelo Barbosa reverbera em 5 minutos um manancial de sentimentos, ao mesmo tempo que simboliza muito rapidamente o cerne de uma discussão e o lugar de suas ramificações.

O equilíbrio é palavra de ordem da produção, que como sua retratada, não se limita - é múltipla e também por isso se desdobra pra inúmeros lados. Mulher, política, esposa, ativista social, amiga, mãe, dona de casa, Indianara representa uma parcela imensa da população feminina, que precisa acumular diversas funções. Sem perder coerência, 'Indianara' é um filme político mas também uma história de amor, muito sério e muito divertido, muito emocionante e muito engajado, assim como sua personagem. O trabalho hercúleo dos diretores era montar esse imenso perfil e conectar os elementos que a tornam essencialmente humana, com sua infinidade de lados.

O exaustivo trabalho de montagem a cargo de Quentin Delaroche resumiu dois anos de filmagens de maneira precisa, criativa e ágil, sem abafar nenhum dos muitos pontos de observação de uma personagem tão rica e ativa, no que for seu foco. O longa é imensamente respeitoso não apenas com Indianara, mas com todos a volta - seu marido, suas amigas, as meninas moradoras da Casa Nem, lugar que ela administra e abriga jovens mulheres trans, prostitutas e gays em condição de rua, todas essas realidades inerentes a trajetória da própria Indianara. Sua realização não permite rótulos a qualquer um que apareça em cena, fruto também da postura da protagonista, e assim se constrói uma narrativa de inclusão de forma natural, usando o panfleto de maneira orgânica e suave.

O encadeamento dos acontecimentos do filme é o ideal em um documentário, utilizando em contraponto momentos felizes a outros em oposto, exatamente como a vida é. Repleto de climaxes ao longo de toda a duração, 'Indianara' debate as ações de sua personagem, sua dor diante das perdas, sua felicidade por ter uma vida rotineira, por ser uma mulher que toma as rédeas pra si, um exemplo para tantas figuras. E acabar naturalmente inspirando um filme tão absolutamente necessário, que levanta suas lutas políticas para ir além da mensagem e provocar mudanças reais, mas também sem esquecer de provocar Aude e Marcelo a entregar um dos mais vibrantes retratos documentais recentes do país e talvez único, uma mulher trans que vence diariamente suas pequenas lutas. 

Filme visto no Olhar de Cinema de Curitiba

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