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Críticas

Cineplayers

Um autêntico western que dignifica um gênero esquecido com o tempo. Simplesmente imperdível!

8,0

A história de "Os Indomáveis" (releitura de "Galante e Sanguinário", dirigido por Delmer Daves em 1957, o qual não tive a oportunidade de ver) é simples: Ben Wade (Russell Crowe) é um destemido líder de uma gangue que é capturado após um assalto. Dan Evans (Christian Bale), um jovem rancheiro falido e debilitado da perna, resolve acompanhar - em troca de uma quantia em dinheiro suficiente para salvar seu rancho de ser tomado pelas dívidas - a escolta ao assaltante até o trem para Yuma, onde será julgado. Contudo, o bando de Wade, liderado por Charlie Prince (Ben Foster), está no rastro de seu chefe, a fim de libertá-lo. A partir daí, muitos incidentes surgirão.

Em meados dos anos 1960, o período de decadência do faroeste teve início. Vários fatores convergiram para a queda do bangue-bangue - o avanço das tecnologias, a mudança radical nas práticas consumidoras dos jovens, enfim -, mas falar sobre isso agora não é meu objetivo. O fato é que desde "Os Imperdoáveis" (1992), de Clint Eastwood, que um filme não consegue proporcionar aos saudosistas uma aventura à altura dos gloriosos clássicos do gênero quanto este "Os Indomáveis".

E isso começa a se concretizar logo nas primeiras cenas, nas quais somos apresentados a Dan Evans, um pai de família dedicado que, mesmo sendo humilhado, não toma nenhuma atitude violenta - fato que é justificado posteriormente, quando seu passado verdadeiro é revelado. Aos poucos, o diretor James Mangold nos mostra como Dan se relaciona com seus filhos - o mais velho, por exemplo, deixa bem claro o descrédito e a covardia que sente vindo do pai.

Já a relação de Dan com a esposa (a linda Gretchen Mol, firme principalmente nas cenas mais dramáticas) mostra que o fazendeiro não tem coragem nem de encará-la, visto que suas dívidas e a situação penosa em que vivem deixam ele frustrado – afinal, por ser o homem da casa, a culpa acaba caindo sobre seus ombros. E é nesse caminho fecundo, sem cair num dramalhão - com exceção do final, que explicarei melhor mais adiante - apesar de inúmeros elementos para tal ocorrer, como evidenciado, que o texto do longa nos aproxima de um dos protagonistas. Temos aí, então, um dos méritos do filme.

Todavia, é Ben Wade o personagem mais interessante. Com pinta de um verdadeiro e honrado líder de uma gangue de western - com exceção do visual moderninho demais, embora combine com seu jeito galanteador -, Wade é rico não apenas em suas tiradas extremamente sarcásticas e ousadas, mas também em seu poder de persuasão, de maneira que é impossível não se envolver com suas histórias, todas bem descritas.

Além de protagonistas corretíssimos, que vão se relacionando ao longo das duas horas e pouco de projeção, o roteiro acerta na forma como tudo é mostrado, sempre no tempo certo. No caminho para a estação do trem, por exemplo, o passado de certas figuras é devidamente mostrado - vale destacar a rápida cena na qual a mãe de Wade é ofendida, tendo um desfecho caricatural, mas vibrante como todo o filme. Dessa forma, a trama transcorre com uma fluidez muito boa, com surpresas para os personagens - Dan contará com a ajuda de alguém que não esperava, por exemplo - e, evidentemente, para nós espectadores, que somos agraciados com cenas tensas (como a do ataque indígena) e violentas (como quando Charlie queima um homem vivo dentro de uma carroça).

Por conseguinte, notamos que o filme é um grande faroeste, com homenagens e tudo (referências a "O Cavalo de Ferro" e a "Matar ou Morrer" são patentes), ainda que possua uma singular autenticidade. A fragilidade da vida nesse meio, onde todos pagam pelos erros cometidos (impossível não citar a cena em que Wade mata, a sangue frio, como nos bons westerns, um próprio companheiro pelo fato do mesmo por em risco a operação de um assalto do bando) é de uma veracidade encantadoramente visceral. Poderia falar aqui de mais coisas, mas com certeza isso tiraria a beleza do filme aos leitores que ainda não o assistiram. Posso dizer, contudo, que as saudosas frases de efeito ("Ria enquanto pode", proferida por Wade, por exemplo) estão presentes, tornando o longa ainda mais digno.

Nesse sentido, Mangold, que já confirmou ser um diretor versátil - o cineasta antes trabalhou em comédia romântica, suspense e até em um drama musical e biográfico - prova que realmente sabe como conduzir um filme do gênero. Se não bastasse todo o clima de velho-oeste criado, com o diretor utilizando eficientemente sua câmera nos enquadramentos, Mangold faz ótimas tomadas tanto das cenas com cavalos, quanto dos tiroteios - há momentos em que a sensação de estarmos no meio do bang-bang é particularmente interessante, ajudado pelo favorável trabalho de som, indicado ao Oscar deste ano.

Portanto, a parte técnica da produção não deixa a desejar em nada. A fotografia de Phedon Papamichael, seja nas cenas ensolaradas e abertas (a maioria), seja nas escuras e fechadas (como quando Wade, já prisioneiro, janta na casa de Dan), emprega uma iluminação adequada, nos transmitindo o quão difícil é viver naquele meio e nos relacionando plenamente com as personalidades de Dan e Wade, respectivamente.

A sensacional trilha sonora Marco Beltrami, merecidamente indicada ao Oscar, abusa das violas e de batidas fortes, caracterizando e dando mais significado às imagens - a derradeira, na qual vemos o trem partindo, é simplesmente maravilhosa. Temos também um bom trabalho de figurino e até de maquiagem (impressiona a forma como Christian Bale está rústico e sujo em cena). Ou seja, tudo está em seu devido lugar.

No entanto, somente o desfecho da história consegue desvirtuar do restante da obra. É incrível como filmes são estragados pela necessidade de um final meloso, que enalteça a figura do vilão, mostrando algo aparentemente triunfal, mas que na verdade soa um pouco forçado e contraditório. Talvez por saudosismo ao original (como disse, não o conheço para compará-lo), ou talvez por querer escapar dos reducionismos tão comuns em Hollywood, ou talvez por motivos mercadológicos mesmo. Não sei bem. Mas infelizmente a obra perde aí alguns pontinhos.

Isso, porém, não importa quando as atuações preenchem todas as expectativas. Christian Bale, que vem surpreendendo em suas atuações (vide "Batman Begins", "O Grande Truque" e o "O Sobrevivente"), da mesma forma vai bem vivendo alguém que carrega um passado, digamos, condenável. Com uma fisionomia pesada, triste e um olhar melancólico, Bale encontra o tom certo para o personagem. Já Russell Crowe é um espetáculo. Basta o ator aparecer na telona para termos a certeza de que ele é um dos melhores em atividade, roubando todas as cenas - assim como fez recentemente em "O Gângster", no qual foi superior em todos os momentos a Denzel Washington.

Além dos astros principais, o elenco de coadjuvantes - que conta com Alan Tudyk, o irreconhecível Peter Fonda e até mesmo Luke Wilson - faz sua parte. Dentre eles, há um coadjuvante que merece aqui um destaque maior: trata-se de Ben Foster. Superando sua incômoda propensão ao exagero (como em "30 Dias de Noite"), Foster torna seu Charlie uma grata surpresa, pois é, ao mesmo tempo, repugnante, violento e fiel, de modo que sua adorável atuação é essencial para o filme funcionar. Exageros à parte, pode-se afirmar sem medo que ele merecia uma indicação ao Oscar de ator coadjuvante. Mas enfim, não é algo tão condenável assim – vide a ótima lista dos escolhidos este ano.

Narrando uma história de honra e redenção, "Os Indomáveis" traz de volta aos cinemas um gênero que infelizmente foi abandonado com o tempo. Não se limitando a homenagens batidas e efêmeras, este excelente trabalho consegue prender a atenção dos espectadores com uma composição honesta e divertida, possibilitando um prazer inigualável hoje em dia. Para quem gosta do bom cinema, é altamente recomendado. Para os fãs de western, é imprescindível.

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