Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

A aceitação da vida e da morte pelas lentes de Van Sant.

6,5

Filho de Denis Hopper, lenda da época que marcou o rito passagem de Hollywood da inocência melodramática para os temas adultos com o seu Sem Destino (Easy Rider, 1969), Henry Hopper já havia anunciado numa entrevista que o que menos o interessava era atuar em filmes infanto-juvenis como fazem tantos atores da sua idade. Essa mentalidade mais alternativa aprendida com o pai (notório por participar de um sem-número de produções pouco comerciais) o levou a ser protagonista da nova obra de Gus Van Sant, um dos mais prestigiados realizadores independentes a surgirem em meados da década de 80, ao lado de David Lynch, Steven Sodebergh, Jim Jarmusch e Spike Lee, entre outros.

O viés notoriamente indie de Van Sant deu origem a filmes como os adultos Drugstore Cowboy (idem, 1989) e Garotos de Programa (My Own Private Idaho, 1991) e outros trabalhos conceitualmente e esteticamente radicais como Elefante (Elephant, 2003) e Gerry (idem, 2002) – que lhe rendeu a Palma de Ouro. Van Sant conquistou sua fama como um realizador que apontava sua câmera para párias sociais – como os atiradores e vítimas de bullying em Elefante ou os humanistas ativistas da Rua Castro na busca por um tratamento mais humano e igualitário em Milk – A Voz da Igualdade (Milk, 2008).

No apenas correto Inquietos (Restless, 2011), o escopo é um pouco diferente. Os personagens tão extremos quanto atiradores, viciados e gigolôs, as situações limítrofes como as tensões entre liberais e conservadores de Milk e os acidentes fatais com conseqüências ainda mais sombrias de Paranoid Park (idem, 2006) são substituídos por um tom mais intimista, mais aprisionado no espaço-tempo diegético onde os personagens vivem, e que aposta numa linguagem que vem se popularizando bastante – os filmes independentes da nova geração, do qual Van Sant tem sua parcela de influenciador, mas que agora vem pisar nesse terreno procurando sempre atualizar suas temáticas –, o que soa como um caminho natural para um artista que sempre apostou em limiares em seus filmes, tanto os alternativos por vocação quanto os projetos mais comerciais. É de se esperar, portanto, características populares que mesclam tanto humor negro quanto drama sobre assuntos complexos e pesados, tendência de cinemas como o de Wes Anderson e que provou poder ser bastante popular em filmes como Minhas Mães e Meu Pai (The Kids Are Alright, 2010)

Hopper interpreta Enoch, um jovem que perdeu os pais em um horrível acidente de carro que inclusive o deixou em coma por meses. Agora morando com sua tia, o jovem mostra que ainda não aceitou a morte dos pais tão bem assim: seu melhor amigo é Hiroshi, um fantasma japonês kamikaze que só ele vê, e seu principal hobby após ser expulso da escola é ser “penetra” de funerais. Logo de cara, nos primeiros minutos, ele conhece Annabela (Mia Wasikowska, a única atriz razoavelmente conhecida do elenco), uma jovem com câncer terminal. A amizade que surge quase que imediatamente vira paixão e, nos três meses que restam a jovem, eles passarão por todos os arcos que tanto acostumamos a ver em filmes. Com momentos um tanto irônicos (como quando ensaiam a despedida) e outros bastante dramáticos, o filme passa o tempo todo buscando uma forma mais leve de se olhar para a vida e de poder aceitar assuntos ainda tão doloridos para nós como perda e doenças ainda incuráveis.

O que diferencia o filme dos demais deste filão é a direção de Van Sant, com sua decupagem e resolução dramática bastante simples e eficiente na hora de compôr um filme direto e honesto em suas intenções, mas que mesmo assim não sai do terreno do comum e da pouca ambição de seu roteiro. É um alívio que o filme tenha a velocidade de seu estilo bem reduzida – vêem-se novamente, como em vários dos seus filmes, seqüências praticamente resolvidas em três ou quatro planos, encenação em profundidade, grandes seqüências baseadas unicamente em diálogos e poucas mirabolâncias visuais. Os malabarismos digitais ou fotográficos são poucos. Ainda que trate de um tema tão pesado, é um filme leve, suave e introspectivo – não à toa, todos os choros dos personagens são escondidos da visão dos outros, exceto de nós. É um cinema que quer acompanhar nosso íntimo, não invadi-lo.

Mas é claro que só o diretor não faz um filme – ainda que seja ancorado por belas canções pop e a trilha-sonora discreta, mas sempre melancólica e presente de Danny Elfman – e o roteiro não vai muito além do famoso “drama de aceitação” sobre a infelicidade, angústias e inevitabilidades que nos cercam – e que a felicidade seria como a relação entre Enoch e Annabela, algo rápido, intenso e breve – como a vida humana, que como diz a protagonista é equivalente a segundos em toda a existência do universo. História bem delineada e até previsível em seus três arcos, com todos os clichês simpáticos que evitam a dor e o desespero absoluto e que, pelo menos dessa vez, mostra como os desajustados, vez ou outra, podem resolver suas questões íntimas para tornar a vida nesse globo azul menos insuportável.

Mas há de se dizer, olhando em retrospecto, que Van Sant já foi muito mais “inquieto” em relação a seu cinema. Contido e sutil, esse novo passo a algum lugar de Van Sant ainda não mostrou ao que veio, mas tem qualidades inegáveis. Uma elegância sábia que só a experiência poderia prover – mas não muito além disso.

Comentários (12)

Daniel Vilas Boas | terça-feira, 29 de Novembro de 2011 - 20:49

A critica americana não gosta do Van Sant.

J. Carlos F. Dos Santos | terça-feira, 29 de Novembro de 2011 - 23:23

Na última semana eu vi Elefante e fiquei impressionado. Sendo assim a expectativa se eleva. Esperar nas locadoras, já que nos cinemas Goianienses é difícil de entrar em cartaz.

Marcus Almeida | quarta-feira, 30 de Novembro de 2011 - 11:11

Geralmente os filmes mais elogiados pela crítica em geral do Van Sant tipo Milk e Gênio Indomavel são os mais fracos, então nem me importo mesmo.

São bem recebidos por serem os mais convencionais e certinhos do diretor.

Gian Luca | quinta-feira, 03 de Setembro de 2015 - 19:27

Ótima crítica. O filme é uma delícia de acompanhar. Revi há pouco no Netflix e fiquei com aquele gostinho 'bittersweet' que tanto prezo em um filme dramático com esse escopo mais intimista.

Faça login para comentar.